segunda-feira, 31 de outubro de 2011

AMIZADE: Sofrer sem deixar de Amar

Lendo o pequeno livro do Pe. Henry Nowen intitulado: Podeis beber o cálice? Mas que tem um conteúdo riquíssimo, me deparei com esta expressão: “O Bom da vida é que fazemos muitos amigos, o ruim é que muitos amigos vão embora”. Certamente todos nós vivemos num determinado momento de nossas vidas esta experiência que é dolorosa, pois é marcada pela partida é uma mistura de tristeza e de dor. A amizade é sempre um dom, dom da abertura, dom da doação, dom da afeição, é a arte de cativar e ser cativado, de ser envolvido pelo amor de um amigo(a) e de amá-lo(a) sem reservas. Sempre costumo dizer que a amizade a princípio é marcada por um mistério, e aqui se esconde toda a sua beleza e riqueza. Entendamos: sabemos que temos amigos, mas muitas vezes não sabemos como a amizade foi iniciada, em que momento, lugar, tempo, só nos damos conta de que em um determinado momento uma pessoa que até então era desconhecida, surgiu em nossa vida, e adentrou em nossa história deixando a sua marca, vale sempre recordar as palavras do imemorável Exupery: “te tornaste único para mim”, é isso que acontece, um amigo surge na nossa vida, adentra na tenda de nossa história para se tornar de uma forma surpreendente único em minha vida. Como o amigo vem a nós, não sabemos, mas deveremos sempre ter a consciência de que nada em nossa vida é por acaso, só nos resta uma certeza, revelada nas palavras de Sto. Agostinho: “Deus traz o amigo para o amigo”, ou seja, a amizade é dom de Deus, é Deus que não cessa de nos reger com a sua divina providência, por isso que a amizade é sempre um mistério, pois é Deus que permite com que num determinado momento da vida o meu e vosso coração se abra a uma pessoa que foi enviada para ser luz, ponte, canal da graça do próprio Deus em nossa vida, porque nesta vida não fomos feitos para estarmos sozinhos, o homem não é uma ilha como dizia o filósofo Francis Bacon, somos seres de relação, nos complementamos uns com os outros. Tendo edificado uma amizade, vamos caminhando lado a lado, o amigo vai ajudando o outro a caminhar, vai sendo um Cirineu, vai sendo outro Cristo na vida do outro, nas horas de dor e angústia vai sendo um óleo benéfico do amor de Deus curando o coração do amigo, vai enxugando as lágrimas, mas também derramando nos momentos de tristeza, vai dando sabor à vida quando ela muitas vezes está tão amarga pelas dores e sofrimentos, vai sendo uma ponte nos conduzindo a Deus, vai sendo um refrigério, quando o nosso coração está seco de amor, de felicidade, de paz. Quantas vezes estamos desanimados, cabisbaixos, amargurados, decepcionados com os erros e as quedas da vida, e de repente, o amigo com suas palavras seus gestos, ou a sua simples e humilde presença vai nos revigorando e reerguendo-nos aponto de nos colocarmos de pé e retomarmos o caminho da vida. São estas atitudes que expressam o dulcíssimo pedido de Jesus: “Não há maior prova de amor que dar a vida pelo amigo” (Jo 15,13). Dar a vida é abrir o meu coração, é dar-se ao outro para que ele tenha vida. É isto que acontece em nossa vida, são laços fortes e profundos que se desenvolvem em nossa vida. Por que então as pessoas que amamos tem que partir? Por que temos que sofrer a dor da despedida pela separação de quem amamos?.   A única resposta para essa experiência é que se é verdade que Deus nos fez capazes de relação, ele nos criou também abertos para os outros, Deus não nos torna amigos só para estarmos presos em nossas “amizades”, onde o meu amigo é só meu e de mais ninguém, então, aquilo que era sinal de liberdade, de entrega, doação sem reservas, se tornou prisão, inferno. E não é esse o sentido da amizade querida por Deus, Ele nos fez irmãos, e isto implica em ter uma missão, ou seja, a alegria, o amor, a paz, a felicidade, tudo aquilo que um amigo realizou na vida do outro, é sinal de cumprimento da ação evangélica pedida por Jesus, amai-vos uns aos outros como eu vos amei, o maior dom é a caridade, e este dom é para ser partilhado, então é justo que da mesma forma como eu experimentei verdadeiros dons divinos na e pela vida de um amigo, eu agora oferto, sofro com alegria a dor da partida, mas para ofertar o meu amigo para que outros também experimentem a beleza do que é amar e ser amado, somos capazes de enviar o nosso anjo amigo para que ele seja um mensageiro do amor e da paz de Deus na jornada de muitas vidas; são estas riquezas que nós temos que perceber quando temos que viver a experiência da partida de quem amamos, sabendo que eu entrego o meu tesouro, pois o amigo é um tesouro, para enriquecer do amor puro que vem de Deus a vida de muitos que estão pobres, e  que vivem mendigando amor.


Como poderei dizer que foi por acaso?
De repente quando eu vi estava ao teu lado
Teu amigo eu me tornei
Fui entrando em tua vida pra valer
Encantei sem querer
Mas é Deus quem tudo faz, então tive que esperar
O amor quando é real não leva-nos para o mal
Mais maduro eu me tornei e em Deus fui dando passos
E hoje aqui venho apenas dizer: amo muito você!
Se amor é decisão, eu decidi te amar
Você veio em minha vida pra me completar
E de Deus iremos ser
Lado a lado em qualquer situação
Sendo um só coração.

(música: Amor é decisão.  Ricardo sá)

“O maior dentre vós deve ser aquele que vos serve" (Mt 23,11).

Na liturgia de ontem com todo o seu esplendor, aparecia esta afirmação de Cristo, “O maior dentre vós deve ser aquele que vos serve" (Mt 23,11). Que foi de certa maneira desconcertante para os que a ouviram, e também hoje nos desconcerta, digo-vos isto porque, em todas as épocas existem pessoas que se deixam levar pela prepotência, pelo orgulho, de quererem ser maiores que os outros; eram assim os fariseus seguidores "fiéis" da lei e dos costumes judaicos, se achavam os maiores e melhores, os puros e os santos, se colocavam nos altos pedestais da vida, viviam marcados pela prepotência. Também nós somos assim temos a triste sorte de sempre termos a teimosia de se locar a cima dos outros. São estas atitudes nossas que Jesus nos adverte e quer nos corrigir, primeiro não somos maiores e nem melhores do que aqueles que nos rodeiam, a princípio porque, Deus não nos fez iguais, mas diferentes, esta diferença não foi estabelecida para que vivêssemos a desigualdade, pelo contrário, fomos feitos diferentes e assim, Deus nos quis para que pudéssemos nos completar um com o outro, é este o nosso paraíso, à nossa felicidade, houve quem afirmasse que o outro é para mim um inferno, nós cristãos dizemos: o outro para mim é um paraíso, pois a sua alegria é também a minha alegria, todos fomos criados por Deus, à sua imagem e semelhança, formamos uma única e grande família de Deus,Acaso não é um só o pai de todos nós? Acaso não fomos criados por um único Deus?” (Ml 2,10). Por sermos filhos de um único Deus que é Pai, deveremos ser pastores da vida um do outro. Vejamos, que Deus nos chama a ser servos, escravos, a nos fazermos pobres, simples, e nos convida a ter um coração misericordioso, como a dinâmica da vida de Jesus foi sempre de revelar-se em coisas pequenas, do início de sua vida até o fim. Jesus veio comunicar aos homens um Deus que é servo, esta é a melhor condição que nos faz perceber quem é Deus, a forma como Deus se apresentava é de "Servo".

Ser servo implica em colocar-se numa atitude de disponibilidade de si para ao outro, é fazer-se pequeno, humilde, pobre numa entrega de si, morrer para nós mesmos para que o outro viva; se Deus assim se fez sendo em toda a sua vida O Grande Servo, quanto mais nós, suas criaturas frágeis e pecadoras. Cessem em nós a hipocrisia, a prepotência, as divisões, os egoísmos, as atitudes individualistas, e que em nosso coração possa reinar o Evangelho do amor revelado pelo próprio Jesus, deveremos sempre agir conforme as palavras de São Paulo: “Foi com muita ternura que nos apresentamos a vós, como uma mãe que acalenta os seus filhinhos. Tanto bem vos queríamos, que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até a própria vida, a tal ponto chegou a nossa afeição por vós” (1Ts 2,7b-8).

É assim que seremos maiores no Reino de Deus, na lógica de Deus só é grande quem antes é pequeno, quem é ponte para a vida do próximo e não uma barreira, um pedra de tropeço; a Virgem Maria foi serva, humilde, pobre, se humilhou, por isso Deus olhou para a sua pequenez e a exaltou entre todas preferida, Jesus se humilhou, assumindo a nossa ínfima condição, padecendo os escárnios da paixão, aniquilou-se inteiramente, foi aos pés dos discípulos, foi ao interior dos seus na forma Eucarística, humilhou-se e por isso, Deus Pai o exaltou. Em virtude disso não queiramos nesta vida nos envaidecer, querer os primeiros lugares, os altos postos, para aparecermos como os maiores, lembremo-nos: “O maior dentre vós deve ser aquele que vos serve" (Mt 23,11), pois nesta vida vale o grande ditado: “quem não vive para servir, não serve para viver”. Guiemo-nos por Cristo o Servo de Deus: “nunca vos deixeis chamar de Mestre, pois um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos... Não deixeis que vos chamem de guias, pois um só é o vosso Guia, Cristo” (Mt 23,8.10). A ele seja a glória agora e por toda a eternidade.



sábado, 29 de outubro de 2011

O FUTURO DA IGREJA

“O futuro da Igreja pode vir e virá também hoje só da força dos que tenham raízes profundas e vivam da plenitude pura de sua fé” (Cardeal Ratzinger)


Ao tomar em mãos para uma leitura, o livro Fé e Futuro do cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI) na última segunda-feira li algumas páginas, entre as quais me causou um impacto esta afirmação acima transcrita. No livro foram publicadas algumas conferências sobre o futuro da Igreja e a importância da fé no limiar do século XX.

Vejamos, tendo perpassado o século XX trazendo em si seus emaranhados de progressos débeis, crises existenciais, marcadas pelo racionalismo, subjetivismo, individualismo, um positivismo, abre-se o século XXI, as problemáticas que tocam a existência humana persistem de forma cada vez mais gritante, é o mundo pós-moderno onde vemos uma rejeição ao sagrado, negação de Deus, é um mundo indiferente ao divino em sua realidade verdadeira.

Estas crises perpassam também a realidade da fé, o mundo só acredita naquilo que é experimentável, palpável, ou seja, o que pode ser comprovado pela ciência, são os rastros deixados pelo positivismo de Augusto Comte, para muitos a fé precisa ver verificável pelos argumentos racionais, então toda a realidade transcendental deve ser banida, desacreditada. Urge então despertar no coração dos fiéis cristãos a importância da fé em aspecto verdadeiro e real, vale dizer para o cristão a fé não é lançar a própria vida numa realidade incerta, ilusória, pelo contrário, é entregar-se confiantemente a uma pessoa, fé é adesão, é confiança em uma pessoa, Jesus.

A fé ele se funda num conhecimento, e por isso é relacional, ou seja, nasce de um encontro, repito, não com uma realidade desconhecida, estranha, não nasce do encontro pessoal com Deus revelado em Jesus Cristo, usando a expressão do teólogo Ratzinger no mesmo livro, dizia ele: “a forma cristã da fé não é crer em um algo, mas em um Tu”. Aqui é a beleza da fé cristã, cremos em uma pessoa que adentrou em nossa história, Deus se fez um de nós, se comunicou a nós usando a linguagem humana, cremos em um Deus que é pessoa e por isso estabelece uma relação conosco. Não há oposição entre fé e conhecimento, a fé é conhecer, cremos para compreender e compreendemos para crer, nossa fé é racional porque nasce e está fundada no Logos, na Sabedoria Eterna de Deus, desta forma não se tem fundamento aquilo que o mundo descrente  afirma: a fé cristã é irracional.

Por isso que Crer é aderir com vontade e inteligência, é edificar as raízes da própria existência numa realidade maior e eterna, cremos em um Deus desconhecido, não porque é ilusório, mas porque ele nos transcende, é Imante, nos ultrapassa, é silêncio, mas ao mesmo tempo se fez ver, conhecer. Por isso quem deposita sua fé em Deus não se decepciona, pois ele não é um Deus entre outros, mas O único Deus, Vivo e verdadeiro, o Salvador.

Hoje somos chamados a como cristãos estar prontos para dar as razões de nossa fé aos que nos pedem, e para dar precisamos conhecer, pois como falaremos de alguém que não conhecemos, que não compartilhamos uma experiência relacional. Crer só por crer não tem sentido, é depositar a fé numa realidade vazia e fugaz, muitos cristãos católicos pensam assim em nossos dias, baseiam a sua fé em sentimento, e como todo prazer, todo sentimento é passageiro, logo abandonam a fé, pois já não sentem mais o que sentiam quando deram a sua adesão, largam a fé, abandonam o Deus Verdadeiro para adorarem a outros deuses.

Cristão que resume sua fé sem ideais que perpassem a própria vida não tem fundamento algum, é preciso viver uma fé pura, íntegra sem regateios, uma fé que vive a experiência de oração, da vida sacramental, da leitura orante da Santa Palavra de Deus, uma fé que busca compreender os mistérios em que se crê.

Não podemos viver iludidos com multidões que enchem as nossas assembleias litúrgicas, multidões eufóricas que se contentam em viver uma fé sentimental, é hora de despertar, abrir o espírito ao Espírito de Deus, devemos edificar a nossa existência não na areia, mas na rocha que é Cristo, é compreender que a adesão à pessoa de Cristo implica em viver a um aventura na qual ele nos leva a lugares desconhecidos que nos faz conhecer os insondáveis mistérios divinos.

O cristão e a igreja do futuro frente a este mundo hostil a Deus e a tudo o que é sagrado, que exalta o profano, o pagão, deve estar edificado em Cristo, ter raízes existenciais profundas, é estar unido à videira verdadeira que nos comunica a salvação. O Cristão verdadeiro é aquele que encontrou o sentido pleno de sua existência em Deus, que decidiu entregar o rumo da própria vida a ele.

A VERDADEIRA IGREJA DE CRISTO É APOSTÓLICA

28 DE OUTUBRO, FESTA DOS APÓSTOLOS SÃO SIMÃO E SÃO JUDAS


Hoje celebrando a festa dos apóstolos Simão e Judas somos chamados a mergulhar no mistério da Igreja de Cristo, é bom sempre recordar que celebrar um apóstolo é celebrar a Igreja, isso porque a verdadeira e única Igreja de Cristo é Apostólica, esta grande verdade nós a professamos no símbolo da fé: Creio na Igreja, Uma ,Santa, Católica e Apostólica. A apostolicidade da Igreja é uma das quatro notas, ou seja, as características da Igreja de Cristo. A apostolicidade da Igreja se dá porque ela foi edificada sobre a fé dos apóstolos, dentre os quais o primeiro é Pedro, a quem Jesus disse: “Pedro tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja... dar-te-ei as chaves do Reino de Deus" (Mt 16,17-20). E é importante destacar que o primado da Igreja foi confiado a Pedro, a ele foi concedida às chaves do Reino de Deus, que é a Igreja, é Cristo cabeça de seu corpo, e quem está com Pedro está com Cristo, por isso, deveremos com fé proclamar que a Verdadeira Igreja de Cristo é aquela que está edificada na fé petrina, de modo que a Igreja possui uma Tradição apostólica que teve início com Pedro e foi passando de geração em geração por seus sucessores e chega aos nossos com o Papa Bento XVI, o Sucessor do Apóstolo Pedro, por isso quem está com o papa e onde está o papa aí está Cristo e a Verdadeira e única Igreja de Cristo. Isto equivale a dizer que não podemos afirmar como muitos: Cristo está aqui na minha igreja, eu anuncio o evangelho de Cristo, toda religião é igual. Não podemos aceitar isso, esta não é a fé fundada em Cristo, ou Cristo está aqui (Igreja Católica) ou não está em lugar nenhum, pois bem nos disse São Paulo na leitura da missa de hoje: A Pedra angular da construção é Cristo... É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor. 22E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito”. (Ef 2,20-21). Esta Igreja foi fundada já na ceia, quando o Senhor se deu a si mesmo e fundou a nova comunidade, assim como o povo do Israel antigo encontrou sua identidade quando celebrava a páscoa, agora o Novo e definitivo Israel encontra a sua identidade reunidos ao redor do Novo e Definitivo Cordeiro de Deus, nasce na nova páscoa, a páscoa de Cristo, é no dom da Eucaristia como antecipação de sua oferta dolorosa na cruz que Cristo funda a sua Igreja, de modo que, em cada Eucaristia a igreja torna a nascer sempre de Novo. Bendita mãe a Igreja católica que vive da Eucaristia, eis o nosso tesouro.

A Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica, pois ela vive da fé em Cristo que nos é transmitida pelos doze apóstolos, pois essa foi a intenção do chamado de Jesus, e hoje fazemos memória de dois destes doze apóstolos; é bom lembrar a importância deste grupo dos doze, ou do número doze, há uma relação intrínseca entre o antigo povo de Deus, Israel e suas doze tribos, e o Novo Povo de Deus, o Novo Israel, com os doze apóstolos, é a Igreja este Novo Israel, a Nova Jerusalém, o edifício de Cristo  que é a Igreja católica, e que tem como alicerce e colunas, os doze apóstolos, dentre os quais brilham hoje para nós, Simão e Judas Tadeu. Vejamos quem são estes dois apóstolos.

Simão era conhecido também como o Zelota, ou Zeloso (Lc 6,15), ou seja, era uma qualidade, ser zeloso e ardoroso pelas coisas de Deus; claro que na época existia um grupo nacionalista chamado Zelotas, era a seita dos judeus piedosos, que alimentavam o sonho de estabelecer, por meio da violência o reino messiânico, mesmo que Simão não tenha pertencido a este grupo, o seu zelo pela identidade judaica, pela lei e por Deus é digno de crédito.

No que se refere ao apóstolo Judas, cognominado Tadeu, que é proveniente do verbo aramaico: tadda, que significa “peito” e pode ser traduzido por magnânimo, os evangelhos nos falam pouco sobre Judas Tadeu, apenas João o menciona quando ele faz uma pergunta a Jesus na última ceia: Senhor, por que te manifestarás a nós e não ao mundo”? (Jo 14,22) a resposta de Jesus foi misteriosa, mas ao mesmo tempo reveladora: “Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará e a ele nós viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14,23), daí compreendemos que Jesus deve ser visto com o coração, ou seja, é preciso abrir o coração para acolhê-lo, e como sabemos, nem todos abrem, é só com o coração verdadeiramente aberto que poderemos ver o Senhor.

Jesus chamou a estes dois para a edificação de seu Corpo que é a Igreja, chamou-os para anunciar o seu Reino entre todos os povos, e este chamado se deu de forma belíssima, foi no momento em que Jesus subiu ao monte, à montanha para rezar, ou seja, subir à montanha é sinal de adentrar na intimidade com seu Deus e Pai, naquilo que Jesus tem como mais íntimo em sua vida, é mergulhar no mistério insondável da vida divina, e o evangelho de S. Lucas nos diz que Jesus passou um longo tempo em oração, “passou a noite toda em oração a Deus” (Lc 6,12). E ao  amanhecer descendo da montanha chamou os que ele quis, para ficarem com ele, Jesus cria o grupo dos doze, a princípio são discípulos, alunos, e por conseguinte, devem aprender com o Mestre, por isso a necessidade de “ficar com” o Mestre, depois de aprenderem com o Mestre, eles são constituídos apóstolos, ou seja, enviados de Deus aos homens, por isso que o texto sagrado diz:  “Jesus desceu da montanha com eles e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia”. (Lc 6,17). Aqui dou ênfase a este lugar plano, sinal da vastidão do mundo, do universo, dizia-nos o salmo da liturgia: “seu som ressoa e se espalha em toda a terra” (Sl 18). Este som, é a Palavra, Cristo que os apóstolos tem a missão de anunciar, eles não devem anunciar a si próprios, mas a Outro que é maior que eles. Aqui chamo atenção para uma realidade que vivemos hoje, muitos se autodenominam  “apóstolos”, quem lhes conferiu tal missão, ninguém a não ser eles mesmos, que pobreza, enquanto os apóstolos de Cristo foram gerados da oração, do momento de profunda intimidade com o Pai, muitos se autocriam apóstolos, para anunciarem a si mesmos e não a Cristo, usam o santo Nome do Senhor, mas mascaram o seu Evangelho, isto é mais uma prova verdadeira de que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja católica.

Os apóstolos viveram para anunciar a Cristo, deram suas vidas pelo anúncio do Santo Evangelho, derramaram seu sangue pelo reino e por isso foi premiados com a palma da vitória, é o que rezava a antífona de entrada da missa: Estes são os homens santos, que o Senhor escolheu com verdadeiro amor. O Senhor deu-lhes a glória eterna. Amém!




sexta-feira, 28 de outubro de 2011

REBATENDO AFIRMAÇÕES SOBRE O USO DO CLERGYMAN E DA BATINA

Há alguns dias atrás ao me tornar membro de uma comunidade na rede social do Orkut que tinha como tema: "sou a favor do uso de Clergyman e Batina dentro ou fora da celebração liturgica". um colega e ex-seminarista questionou a idéia desta comunidade, logo se deu para perceber que é mais um daqueles que seguem uma linha totalmente aversa ao que Tradicional em nossa fé católica,

ele me respondeu assim:  Numa Solenidade litúrgica sim, mas fora não, vivemos em um País tropical, Além disso diz o ditado " Não é o hábito que faz o monge", ou seja são as atitudes, a vivência do evagelho, verdade esta que serve para todo cristão.

logo percebi: quanta medíocredade intelectual, são as mesmas respostas de sempre, é preguiça de pensar viu!!!!!!

Minha resposta a este pobre colega: meu querido amigo, é verdade que um hábito não faz um monge, , uma batina não é a essência de um padre, não é disso que se trata, mas o reconhece, é expressão daquilo que ele serve quando usada com dignidade, chega de modernismos em nossa igreja, na liturgia, e na vida dos sacerdotes; um padre correto, fiel com o seu hábito, seja o clergyman ou a batina revela que ele é um homem de Deus que vive para Deus. pois é um sinal que indica uma realidade maior, que o padre não é um homem qualquer, foi tirado do meio do povo e posto no meio deste povo para ser mediador entre os homens e Deus. o problema é q hj muitos não querem se apresentar como padre, querem estar na modinha que tem desgraçado muitas vidas, chega dessa vida medíocre . falar em clima tropical, isso pouco importa, pois, afinal , quem irá usará é que compete dizer se está quente ou não. é bom recordar que o papa Bento XVI disse no ano sacerdotal: "o sacerdote deve ser reconhecido nos costumes e no hábito" eis a palavra do santo padre, é um mestre para nós.

VEJAMOS SETE BONS MOTIVOS PARA SE USAR A BATINA OU O CLERGYMAN: 

1ª RECORDAÇÃO CONSTANTE DO SACERDOTE

Certamente que, uma vez recebida a ordem sacerdotal, não se esquece facilmente. Porém um lembrete nunca faz mal: algo visível, um símbolo constante, um despertador sem ruído, um sinal ou bandeira. O que vai à paisana é um entre muitos, o que vai de batina, não. É um sacerdote e ele é o primeiro persuadido. Não pode permanecer neutro, o traje o denuncia. Ou se faz um mártir ou um traidor, se  chega a tal ocasião. O que não pode é ficar no anonimato, como um qualquer. E logo quando tanto se fala de compromisso! Não há compromisso quando exteriormente nada diz do que se é. Quando se despreza o uniforme, se despreza a categoria ou classe que este representa.

2ª PRESENÇA DO SOBRENATURAL NO MUNDO

Não resta dúvida de que os símbolos nos rodeiam por todas as partes: sinais, bandeiras, insígnias, uniformes... Um dos que mais influencia é o uniforme. Um policial, um guardião, é necessário que atue, detenha, dê multas, etc. Sua simples presença influi nos demais: conforta, dá segurança, irrita ou deixa nervoso, segundo sejam as intenções e conduta dos cidadãos.

Uma batina sempre suscita algo nos que nos rodeiam. Desperta o sentido do sobrenatural. Não faz falta pregar, nem sequer abrir os lábios. Ao que está de bem com Deus dá ânimo, ao que tem a consciência pesada avisa, ao que vive longe de Deus produz arrependimento.

 As relações da alma com Deus não são exclusivas do templo. Muita, muitíssima gente não pisa na Igreja. Para estas pessoas, que melhor maneira de lhes levar a mensagem de Cristo  do que deixar-lhes ver um sacerdote consagrado vestindo sua batina? Os fiéis tem lamentado a dessacralização e seus devastadores efeitos. Os modernistas clamam contra o suposto triunfalismo, tiram os hábitos, rechaçam a coroa pontifícia, as tradições de sempre e depois se queixam de seminários vazios; de falta de vocações. Apagam o fogo e se queixam de frio. Não há dúvidas: o "desbatinamento" ou "desembatinação" leva à dessacralização.

3ª É DE GRANDE UTILIDADE PARA OS FIÉIS

O sacerdote o é não só quando está no templo administrando os sacramentos, mas nas vinte e quatro horas do dia. O sacerdócio não é uma profissão, com um horário marcado; é uma vida, uma entrega total e sem reservas a Deus. O povo de Deus tem direito a que o auxilie o sacerdote. Isto se facilita se podem reconhecer o sacerdote entre as demais pessoas, se este leva um sinal externo. Aquele que deseja trabalhar como sacerdote de Cristo deve poder ser identificado como tal para o benefício dos fiéis e melhor desempenho de sua missão.

4ª SERVE PARA PRESERVAR DE MUITOS PERIGOS

A quantas coisas se atreveriam os clérigos e religiosos se não fosse pelo hábito! Esta advertência, que era somente teórica quando a escrevia o exemplar religioso Pe. Eduardo F. Regatillo, S.I., é hoje uma terrível realidade.
Primeiro, foram coisas de pouca monta: entrar em bares, lugares de recreio, diversão, conviver com os seculares, porém pouco a pouco se tem ido cada vez a mais.

Os modernistas querem nos fazer crer que a batina é um obstáculo para que a mensagem de Cristo entre no mundo. Porém, suprimindo-a, desapareceram as credenciais e a mesma mensagem. De tal modo, que já muitos pensam que o primeiro que se deve salvar é o mesmo sacerdote que se despojou da batina supostamente para salvar os outros.

Deve-se reconhecer que a batina fortalece a vocação e diminui as ocasiões de pecar para aquele que a veste e para os que o rodeiam. Dos milhares que abandonaram o sacerdócio depois do Concílio Vaticano II, praticamente nenhum abandonou a batina no dia anterior ao de ir embora: tinham-no feito muito antes.

5ª AJUDA DESINTERESSADA AOS DEMAIS

O povo cristão vê no sacerdote o homem de Deus, que não busca seu bem particular se não o de seus paroquianos. O povo escancara as portas do coração para escutar o padre que é o mesmo para o pobre e para o poderoso. As portas das repartições, dos departamentos, dos escritórios, por mais altas que sejam, se abrem diante das batinas e dos hábitos religiosos. Quem nega a uma monja o pão que pede para seus pobres ou idosos? Tudo isto está tradicionalmente ligado a alguns hábitos. Este prestígio da batina se tem acumulado à base de tempo, de sacrifícios, de abnegação. E agora, se desprendem dela como se se tratasse de um estorvo?
 
6ª IMPÕE A MODERAÇÃO NO VESTIR

A Igreja preservou sempre seus sacerdotes do vício de aparentar mais do que se é e da ostentação dando-lhes um hábito singelo em que não cabem os luxos. A batina é de uma peça (desde o pescoço até os pés), de uma cor (preta) e de uma forma (saco). Os arminhos e ornamentos ricos se deixam para o templo, pois essas distinções não adornam a pessoa se não o ministro de Deus para que dê realce às cerimônias sagradas da Igreja.

Porém, vestindo-se à paisana, a vaidade persegue o sacerdote como a qualquer mortal: as marcas, qualidades do pano, dos tecidos, cores, etc. Já não está todo coberto e justificado pelo humilde hábito religioso. Ao se colocar no nível do mundo, este o sacudirá, à mercê de seus gostos e caprichos. Haverá de ir com a moda e sua voz já não se deixará ouvir como a do que clamava no deserto coberto pela veste do profeta vestido com pêlos de camelo.

7ª EXEMPLO DE OBEDIÊNCIA AO ESPÍRITO E LEGISLAÇÃO DA IGREJA

Como alguém que tem parte no Santo Sacerdócio de Cristo, o sacerdote deve ser exemplo da humildade, da obediência e da abnegação do Salvador. A batina o ajuda a praticar a pobreza, a humildade no vestiário, a obediência à disciplina da Igreja e o desprezo das coisas do mundo. Vestindo a batina, dificilmente se esquecerá o sacerdote de seu importante papel e sua missão sagrada ou confundirá seu traje e sua vida com a do mundo.

Estas sete excelências da batina poderão ser aumentadas com outras que venham à tua mente, leitor. Porém, sejam quais forem, a batina sempre será o símbolo inconfundível do sacerdócio, porque assim a Igreja, em sua imensa sabedoria, o dispôs e têm dado maravilhosos frutos através dos séculos.
Notas:

- O autor: Padre Jaime Tovar Patrón, coronel capelão, ocupou importantes responsabilidades no Vicariato Castrense. Oriundo de Extremadura, Espanha, foi grande orador sacro. Autor do livro Los curas de la Cruzada, autêntica enciclopédia dos heróicos sacerdote que desenvolveram seu trabalho pastoral entre os combatentes da gloriosa Cruzada de 1936. É, ademais, uma história do sacerdócio castrense. Faleceu em janeiro de 2004.
        
- Código de Direito Canônico (1983): Livro II, I Parte, Título III, Capítulo III:
Cân. 284 Os clérigos usem hábito eclesiástico conveniente, de acordo com as normas dadas pela Conferência dos Bispos e com os legítimos costumes locais.
Cân. 285 § 1. Os clérigos se abstenham completamente de tudo o que não convém ao seu estado, de acordo com as prescrições do direito particular.
§ 2. Os clérigos evitem tudo o que, embora não inconveniente, é, no entanto, impróprio ao estado clerical.

- Convém recordar: muitos sacerdotes e religiosos mártires pagaram com seu sangue o ódio à fé e à Igreja desencadeado nas terríveis perseguições religiosas dos últimos séculos. Muitos foram assassinados simplesmente por vestirem a batina. O sacerdote que veste a batina é para todos um modelo de coerência com os ideais que professa, à vez que honra o cargo que ocupa na sociedade cristã.

Se bem é certo que o hábito não faz o monge, também é certo que o monge veste hábito e o veste com honra. Que podemos pensar do militar que despreza seu uniforme? O mesmo que do vigário que despreza sua batina!


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

«A Oração do Coração» - Henri Nouwen





oração hesicástica, que leva ao descanso em que a alma habita com Deus, é a oração do coração. Para nós que damos tanta importância à mente, aprender a rezar com o coração e a partir dele tem importância especial. Os monges do deserto nos mostram o caminho. Embora não exponham nenhuma teoria sobre a oração, suas narrativas e seus conselhos concretos apresentam as pedras com as quais os autores espirituais ortodoxos mais tardios construíram uma espiritualidade magnífica. Os autores espirituais do monte Sinai, do monte Atos e os startsi da Rússia oitocentista apóiam-se todos na tradição do deserto. Encontramos a melhor formulação da oração do coração nas palavras do místico russo Teófano, o Recluso: "Rezar é descer com a mente ao coração e ali ficar diante da face do Senhor, onipresente, onividente dentro de nós". No decorrer dos séculos, essa perspectiva da oração tem sido central no hesicasmo Rezar é ficar na presença de Deus com a mente no coração, isto é, naquele ponto de nossa existência em que não há divisões nem distinções e onde somos totalmente um. Ali habita o Espírito de Deus e ali acontece o grande encontro. Ali, coração fala a coração, porque ali ficamos diante da face do Senhor, onividente, dentro de nós. É bom saber que aqui a palavra "coração" é usada em seu sentido bíblico pleno. em nosso meio, ela se tornou lugar-comum. Refere-se à sede da vida sentimental. Expressões como "coração partido" e "sentido no coração" mostram ser comum pensarmos no coração como o lugar quente onde se localizam as emoções, em contraste com o frio intelecto onde têm lugar nossos pensamentos. Mas, na tradição judeu-cristã, a palavra "coração" refere-se à fonte de todas as energias físicas, emocionais, intelectuais, volitivas e morais.
No coração, originam-se impulsos impenetráveis, além de sentimentos, disposições e desejos conscientes. O coração também tem suas razões e é o centro da percepção e do entendimento. Finalmente, ele é a sede da vontade: faz planos e chega a uma boa decisão. Assim, é o órgão central e unificador de nossa vida pessoal. Nosso coração determina nossa personalidade e é, portanto, não só o lugar onde Deus habita mas também o lugar ao qual Satanás dirige seus ataques mais ferozes. Esse coração é o lugar da oração. A oração do coração dirige-se a Deus a partir do centro da pessoa e, assim, afeta toda a nossa compaixão.
Um dos monges do deserto, Macário, o Grande, diz: "A tarefa principal do atleta (isto é, do monge) é entrar em seu coração". Isso não significa que o monge deva procura encher sua oração de sentimento; signfica que deve esforçar-se para deixar que ela remodele toda a sua pessoa. O discernimento mais profundo dos monges do deserto é que entrar no coração é entrar no Reino de Deus. Em outras palavras, o caminho para Deus é pelo coração. Isaac, o Sírio, escreve:
«Procure entrar na câmara do tesouro... que está dentro de você e então descobrirá a câmara do tesouro do céu. Pois ambas são a mesma coisa. Se conseguir entrar em uma, você verá ambas. A escada para este Reino está escondida dentro de você, em sua alma. Se você purificar a alma, ali verá os degraus da escada que deve subir.»
E João de Cárpato diz:
«É preciso grande esforço e luta na oração para alcançar aquele estado da mente que é livre de toda perturbação; é um céu dentro do coração (literalmente 'intracardíaco'), o lugar onde, como o apóstolo Paulo assegura, "Cristo está em vós.» (2Cor13,5).
Em suas falas, os monges do deserto nos indicam uma visão bastante holística de oração. Eles nos afastam de nossas práticas intelectuais, nas quais Deus se transforma em um dos muitos problemas com os quais temos de lidar. Mostram-nos que a verdadeira oração penetra no âmago de nossa alma e não deixa nada sem tocar. A oração do coração não nos permite limitar nosso relacionamento com Deus a palavras interessantes ou emoções piedosas. Por sua própria natureza, essa oração transforma todo o nosso ser em Cristo, precisamente porque abre os olhos de nossa alma à verdade de nós mesmos e também à verdade de Deus. Em nosso coração passamos a nos ver como pecadores abraçados pela misericórdia de Deus. É essa visão que nos faz clamar: "Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim, pecador". A oração do coração nos exorta a não esconder absolutamente nada de Deus e a nos entregar incondicionalmente a sua misericórdia.
Assim, a oração do coração é a oração da verdade. Desmascara as muitas ilusões sobre nós mesmos e sobre Deus e nos conduz ao verdadeiro relacionamento do pecador com o Deus misericordioso. Essa verdade é o que nos dá o "descanso" do hesicasta. Quando ela se abriga em nosso coração, somos menos distraídos por pensamentos mundanos e nos voltamos mais sinceramente para o Senhor de nossos corações e do universo. Assim, as palavras de Jesus: "Felizes os corações puros: eles verão a Deus" (Mt 5,8) tornam-se reais em nossa oração. As tentações e as lutas continuam até o fim de nossas vidas, mas com um coração puro ficamos tranqüilos, mesmo em meio a uma existência agitada.
Isso levanta o problema de como praticar a oração do coração em um ministério bastante agitado. É a essa questão de disciplina para a qual precisamos agora voltar a atenção.
Oração e Ministério
Como nós, que não somos monges nem vivemos no deserto, praticamos a oração do coração? Como ela influencia nosso ministério cotidiano?
A resposta a essa pergunta está na formulação de uma disciplina definitiva, uma regra de oração. As características da oração do coração que nos ajudam a formular essa disciplina:
  1. A oração do coração alimenta-se de orações breves e simples.
  2. A oração do coração é incessante.
  3. A oração do coração inclui tudo.
  4. Alimenta-se de Orações Breves
No contexto de nossa cultura verbosa, é significativo ouvir os monges do deserto nos aconselhando a não usar palavras em excesso:
«"Perguntaram ao aba Macário: 'Como se deve rezar?' O ancião respondeu: 'Não há, em absoluto, necessidade de fazer longos discursos; basta estender a mão e dizer: Senhor, como queres e como sabes, tem misericórdia. E se o conflito ficar mais ameaçador, dizer: Senhor, ajuda. Ele sabe muito bem do que precisamos e nos mostra sua misericórdia.»
João Clímaco é ainda mais explícito:
«Quando rezar, não procure se expressar em palavras extravagantes pois, quase sempre, são as frases simples e repetitivas de uma criancinha que nosso Pai do céu acha mais irresistíveis. Não se esforce em muito falar, para que a busca de palavras não lhe distraia a mente da oração. Uma única frase nos lábios do coletor de impostos foi suficiente para lhe alcançar a misericórdia divina; um pedido humilde feito com fé foi suficiente para salvar o bom ladrão. A tagarelice na oração sujeita a mente à fantasia e à dissipação; por sua natureza, as palavras simples tendem a concentrar a atenção. Quando encontrar satisfação ou contrição em determinada palavra de sua oração, pare nesse ponto.»
Essa é uma sugestão muito útil para nós que tanto dependemos da capacidade verbal. A tranqüila repetição de uma única palavra ajuda-nos a descer com a mente ao coração. (Também a base da OC, nota da autora do site). Essa repetição nada tem a ver com mágica. Não tem o propósito de enfeitiçar Deus, nem de forçá-lo a nos ouvir. Pelo contrário, uma palavra ou sentença repetida com freqüência ajuda-nos a nos concentrar, a nos mover para o centro, a criar uma tranqüilidade interior e, assim, a ouvir a voz de Deus. Quando simplesmente tentamos ficar sentados em silêncio e esperar que Deus nos fale, nos vemos bombardeados por intermináveis pensamentos e idéias conflitantes. Mas quando usamos uma sentença bastante simples como: "Ó Deus, vem em meus auxílio", ou "Jesus, mestre, tem piedade de mim", ou uma palavra como "Senhor" ou "Jesus", é mais fácil deixar as muitas distrações passarem sem nos deixarmos iludir por elas. Essa oração simples, repetida com facilidade, esvazia aos poucos nossa vida interior apinhada e cria o espaço sossegado onde habitamos com Deus. É como uma escada pela qual descemos ao coração e subimos a Deus. Nossa escolha de palavras depende de nossas necessidades e das circunstâncias do momento, mas é melhor usar palavras da Escritura.
Quando somos fiéis a essa oração simples e a praticamos com regularidade, ela nos conduz devagar a uma experiência de descanso e nos abre à presença ativa de Deus. Além disso, em um dia muito atarefado, podemos levar essa oração conosco. Quando, por exemplo, passamos, no início da manhã, 20 minutos sentados na presença de Deus com as palavras: "O Senhor é meu pastor", elas lentamente constroem em nosso coração um pequeno ninho para si mesmas e ali ficam o restante de nosso dia atarefado. Até enquanto falamos, estudamos, cuidamos do jardim ou construímos alguma coisa, a oração continua em nosso coração e nos mantém conscientes da orientação onipresente de Deus. A disciplina não é agora dirigida para um discernimento mais profundo do que significa chamar Deus de nosso Pastor, mas para a íntima experiência da ação pastoral de Deus em tudo que pensamos, dizemos ou fazemos.
Incessante
A segunda característica da oração do coração é ser incessante. A pergunta de como seguir a ordem de Paulo: "Orai incessantemente" foi fundamental no hesicasmo desde a época dos monges do deserto até a Rússia oitocentista. Há muitos exemplos desse interesse nos dois extremos da tradição hesicástica. (Vejamos um dos principais:)
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Na famosa história do Peregrino Russo lemos:
«Pela graça de Deus sou cristão, mas pelas minhas ações sou um grande pecador... No vigésimo quarto domingo depois de Pentecostes, fui à igreja para ali fazer minhas orações durante a liturgia. Estava sendo lida a primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses e, entre outras palavras, ouvi estas: 'Orai incessantemente' (1Ts 5,17). Foi esse texto, mais que qualquer outro, que se inculcou em minha mente, e comecei a pensar como seria possível rezar incessantemente, já que um homem tem de se preocupar também com outras coisas a fim de ganhar a vida.»
O camponês foi de igreja em igreja, para ouvir sermões, mas não encontrou a resposta que queria. Finalmente, encontrou um santo staretz que lhe disse:
«A oração interior incessante é um anseio contínuo do espírito humano por Deus. Para sermos bem-sucedidos nesse exercício consolador, precisamos suplicar com mais freqüência a Deus que nos ensine a rezar sem cessar. Rezar mais e rezar com mais fervor. É a própria oração que lhe revela como rezá-la sem cessar; mas leva algum tempo.»
Então, o santo staretz ensinou ao camponês a Oração de Jesus: "Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim". Enquanto viajava como peregrino pela Rússia, o camponês passou a repetir essa oração com os lábios. Até considerava a oração de Jesus sua companheira verdadeira. E, então, um dia, teve a sensação de que a oração passou sozinha de seus lábios para seu coração. Ele diz:
«... parecia que, pulsando normalmente, meu coração começava a dizer as palavras da oração a cada batida... Desisti de dizer a oração com os lábios. Passei simplesmente a ouvir o que meu coração dizia.»
Aqui aprendemos outro jeito de chegar à oração incessante. A oração continua a rezar dentro de mim, até enquanto falo com os outros ou me concentro no trabalho manual. Ela se torna a presença ativa do Espírito de Deus que me guia pela vida.
Desse modo vemos como, pela caridade e pela atividade da oração de Jesus em nosso coração, nosso dia todo se transforma em oração contínua. Não sugiro que imitemos o peregrino russo, mas que, também nós, em nosso ministério atarefado, nos preocupemos em rezar sem cessar, para que, seja o que for que comamos ou bebamos, seja o que for que façamos o façamos pela glória de Deus. (Veja 1Cor 10,31). Amar e trabalhar pela glória de Deus não pode permanecer uma idéia sobre a qual pensamos de vez em quando. Deve se tornar uma incessante doxologia interior.
Inclui Tudo
Uma última característica da oração do coração é que ela inclui todos os nossos interesses. Quando entramos com a mente no coração e ali ficamos na presença de Deus, então todas as nossa preocupações mentais se transformam em oração. O poder da oração do coração é precisamente que, por meio dela, tudo que está em nossa mente se transforma em oração.
Quando dizemos a alguém: "Vou rezar por você", assumimos um compromisso muito importante. É uma pena que esse comentário muitas vezes não passe de uma expressão de interesse. Mas, quando aprendemos a descer com nossa mente em nosso coração, todos os que fazem parte de nossa vida são guiados à presença curativa de Deus e tocados por ele no centro de nosso ser. Falamos aqui de um mistério para o qual palavras são inadequadas. É o mistério em que o coração, centro de nosso ser, é transformado por Deus em seu coração, um coração grande o bastante para abraçar todo o universo. pela oração, carregamos em nosso coração toda a dor e tristeza humanas, todos os conflitos agonias, toda a tortura e a guerra, toda a fome, solidão e miséria, não por causa de alguma grande capacidade psicológica ou emocional, mas porque o coração de Deus uniu-se ao nosso.
Aqui vislumbramos o sentidos das palavras de Jesus:
«Tomais sobre vós o meu jugo e sede discípulos meus, porque eu sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas. Sim, o meu jugo é fácil de carregar, e o meu fardo é leve.» (Mt 11,29-30).
Jesus nos convida a aceitar seu fardo, que é o do mundo todo, um fardo que inclui o sofrimento humano em todos os tempos e lugares. Mas esse fardo divino é leve e podemos carregá-lo quando nosso coração se transforma no coração manso e humilde de nosso Senhor.
Vemos aqui o íntimo relacionamento entre oração e ministério. A disciplina de conduzir todo o nosso povo com suas lutas ao coração manso e humilde de Deus é a disciplina de oração e também do ministério. Enquanto o ministério significar apenas que nos preocupamos muito com as pessoas e seus problemas; enquanto significar um número interminável de atividades que dificilmente conseguimos coordenar, ainda dependeremos muito de nosso coração tacanho e ansioso. Mas quando nossas preocupações são elevadas ao coração de Deus e ali se transformam em oração, ministério e oração se tornam duas manifestações do mesmo amor universal de Deus.
Vimos como a oração do coração se nutre de orações breves, é incessante e inclui tudo. Essas três características mostram como a oração do coração é o alento da vida espiritual e de todo o ministério. Na verdade, essa oração não é apenas uma atividade importante, mas o próprio centro da nova vida que queremos representar e na qual queremos iniciar nosso povo. As características da oração do coração deixam claro que ela exige uma disciplina pessoal. Para levar uma vida de oração não podemos passar sem orações específicas. Precisamos dizê-las de uma forma que nos ajude a ouvir melhor o Espírito que reza em nós. Precisamos continuar a incluir em nossa oração todas as pessoas com as quais e para as quais vivemos e trabalhamos. Essa disciplina vai nos ajudar a passar de um ministério entontecedor, fragmentário e muitas vezes frustrante para um ministério integrador, holístico e muito gratificante. Ela não vai facilitar o ministério, mas simplificá-lo; não vai torná-lo doce e piedoso, mas sim espiritual; não vai fazê-lo indolor e sem lutas, mas tranqüilo no verdadeiro sentido hesicástico."



ADORAMOS-TE Ó DEUS SACRAMENTADO - meditações eucarísticas

Como toda quinta-feira é um dia dedicado à adoração eucarística, decidi e como já venho fazendo expor algumas reflexões sobre o mistério eucarístico para acender em nós a chama do amor a Jesus vivo e presente no Santíssimo Sacramento do altar. Ao longo de algumas quintas-feiras quero fazer as meditações eucarísticas sobre o antiquíssimo hino eucarístico que desenvolveu e ajudou a enriquecer e despertar no coração e na vida de muitos fiéis o amor à Eucaristia, este hino é o “Adoro te devote” que em nossa língua nós cantamos em muitas adorações: “Deus de amor nós te adoramos”. É um hino que a princípio foi aplicado como composição de Sto. Tomás de Aquino, seria uma oração que o doutor angélico teria proferido na hora de sua morte, ao receber o viático, só que sem negar a sua genialidade teológica, mas as circunstâncias do momento será que levariam a improvisar um texto tão poético e teológico? Foi um texto que passou muitos séculos escondido e desconhecido, até que o Papa S. Pio V o tornou conhecido ao incluir entre as orações de preparação e ação de graças da Missa. Rezar com as riquíssimas palavras do Adoro te devote é se unir a uma multidão de vidas passadas que com seu amor entoaram do fundo de suas almas este piedoso hino ao mistério eucarístico. Para ajudar em nossas reflexões quero fazer uso das reflexões do livro: “Isto é o meu Corpo” do Frei Raniero Cantalamessa, pregador da casa pontifícia, neste livro ele reúne as meditações feitas no advento e na quaresma do ano eucarístico (2004-2005), foram as últimas meditações que Frei Raniero fez ao Beato papa João Paulo II, nos últimos dias de sua vida. Comecemos nossa meditação:

Antes de tudo deveremos compreender que o hino é composto por quatro versos, de modo que os dois primeiros são afirmações teológicas sobre o mistério eucarístico e os dois últimos é a resposta de fé do cristão ao sacro mistério. O hino começa assim:

Adoro te devote, latens Deitás
Te quae sub his formis vere latitas:
Tibi se cor meum totum subcit
Quia te contemplans totum déficit

Eu te adoro com afeto, Deus oculto
Que te escondes nestas aparências
A ti submete-se o meu coração por inteiro
E desfalece ao te contemplar


O primeiro verso do hino eucarístico se refere à forma da presença de Cristo nas espécies eucarísticas: Deus verdadeiramente presente, mas de forma escondida. Aqui volvemos o nosso coração para a essência mesma de Deus, o Deus absconditus (Is 45,15), ou seja, Deus se revela ao homem, mas ao mesmo tempo permanece escondido, porque é Transcendente, é infinito é o Todo-poderoso, Ele é Aquele que é, o EU SOU, Deus mesmo tendo se revelado, permanece o inacessível, vejamos algumas realidades: o véu na criação é dado nas coisas criadas, na Sagrada Escritura pelas palavras, na Encarnação pela humanidade de Cristo, na Eucaristia, Deus está velado pelas aparências do Pão e do Vinho, e no mistério eucarístico esta realidade escondida do próprio Deus se revela em todo o seu esplendor de verdade, é interessante notar que ao se encarnar o Verbo escondeu a sua divindade, no mistério da Eucaristia até mesmo sua humanidade está escondida, divindade e humanidade escondidas só nos resta contemplar o mistério do amor, da caridade como nos ensina S. Bernardo.  Veja, Deus se revela ao mundo como servo, humilde, simples, pobre. Lendo estes dias o livro Trindade Mistério de Comunhão, de Dom Ladaria, professor de teologia dogmática da Universidade Gregoriana em Roma, ao falar sobre o caráter quenótico da economia da salvação, ele dizia que a forma como Deus se revela é a forma servil, ou seja, de servo, é desta maneira que conhecemos Deus em nossa história, é o mistério da condescendência divina, ele sendo rico se fez pobre, para com a sua pobreza nos enriquecer. Então, o Deus onipotente todos os dias vêm a nós, é gerado nas mãos dos sacerdotes, se esconde sob os véus. Sob as aparências do pão e do vinho, ó mistério de suprema humildade!

A esta presença escondida de Cristo, somos chamados a responder com a atitude de adoração, afinal este Deus escondido é Deus e não um homem, e nós devemos ser simples adoradores, é como diz a canção: “Deus é Deus e eu devo ser um adorador”. A adoração, o louvor adorante é a melhor forma de se honrar a Deus, é uma profissão de fé verdadeira e profunda em Cristo Deus Verdadeiro e Homem Verdadeiro, já nos ensinava Sto. Agostinho: “Ninguém deve comer desta bendita carne, sem antes adorá-la”. A adoração é prestada sempre  e somente à Deus, é a Ele que se deve adorar, é o Único a quem todos os joelhos devem se dobrar é o culto de Latria dado somente à Deus.

A adoração se manifesta pelo reconhecimento de nossa pequenez, de nossa pobreza e o reconhecimento da majestade de Deus, é um lançar-se no oceano do mistério grandioso de Deus, é envolver-se em um amor contemplativo que nos impulsiona a entregar-se, a derramar-se diante de nosso Deus, é viver a experiência de Maria em Betânia que prostrada diante de Jesus, derramou as suas lágrimas a seus pés, é se colocar como o publicano que não tinha nem a coragem de erguer os olhos aos céus, por causa de sua miserabilidade. O ato de dobrar os joelhos diante de Jesus é reconhecer o nada que nós somos e o Tudo que Ele é; bem muito antes de nós nos reclinarmos a Ele, ele se reclinou para nós, na encarnação, no lava-pés, na Eucaristia ele vai ao nosso interior. Estar em adoração é falar para Jesus como se fala com um amigo, é partilhar as confidências do coração, é fazer a experiência de reclinar a cabeça sobre o peito, sobre o lado de Jesus, na sua chaga aberta por amor, é conhecer o seu interior, é ter a oportunidade de saber que se está sendo amado de uma forma pura e verdadeira.

A adoração deve ser expressa e é justamente este ponto que deve ser exaltado: o Silêncio. São Gregório de nazianzo já dizia que “a adoração é um hino de silêncio”. estar diante de Jesus é ter a oportunidade de escutar a sua voz a perpassar nosso coração, e a sua voz é recriadora, afinal, a palavra de Deus é viva e eficaz, ela penetra a nossa alma, nos esquadrinha; em meio a tantas vozes, a tanto barulho de um mundo efervescido pelas agitações, não somos educados a silenciar, ou podemos simplesmente usar a emblemática expressão do filósofo Blaise Pascal: “a miséria do homem é que ele não consegue silenciar”. E isto é verdade, muitas vezes nossas adorações são marcadas por muito barulho, muita agitação, já não se tem momentos nem mesmo breves de silêncio, só nós falamos, não deixamos espaço para que Deus fale em nós; o homem tem medo do silêncio, pois tem medo de encontrar-se coma verdade sobre si mesmo e tem medo de encontrar-se com o Deus que habita em seu interior. É preciso em adoração nos apresentarmos com atitude reverente e piedosa diante de deus que está em nosso meio e nos calarmos, tudo se cala em nós para escutarmos à voz do amado. A Deus, o nosso amado devemos entregar nosso coração, ou seja, é adorar a Deus com a totalidade de nossa existência, nosso ser todo diante dele, adorar e amar a Deus de todo o coração, de toda alma e com todas as nossas forças. O coração não é a sede do sentimento, mas das decisões e por isso a deus nós nos submetemos com a nossa vontade e nosso inteligência, com todo o nosso coração. A ponto de nossa alma poder descansar no amor de Deus, provar a suavidade deste amor, e contemplá-lo face a face.

Aqui adentra a contemplação que nasce da adoração, ou seja, é mergulhar no silêncio orante, é concentrar-se num isolamento interior, elevar o coração ao alto do coração de Deus, desligando-se de todo e qualquer objeto, é perder-se inteiramente diante de Jesus, é poder olhar para Jesus e ser olhado e amado de uma forma diferente, São dois olhares que se cruzam: eu olho para ele e olha para mim, não se trata de algo inerte, mas de algo que nos transforma; o ser humano reflete em sua vida muitas vezes aquilo que ele contempla, pensemos também, quando nós ficamos expostos ao sol por muito tempo, logo ficamos com suas marcas, da mesma forma ao nos colocarmos diante do Santíssimo sacramento por longo tempo em contemplação, o Senhor Jesus vai deixando as suas marcas em nós, e, por conseguinte, vamos assimilando seus sentimentos, seus pensamentos, sua história, a sua vida, ou seja, é abrir-se inteiramente a Ele e deixar com que a sua glória refulja em nossa existência.

Está diante de nós o Cordeiro Imolado é a Ele que nós corremos para curar as feridas do pecado que ferem nossa alma, recordemo-nos da serpente de bronze estendida no deserto, todos os que olhassem para ela, ficariam curados (Nm21,4-9), Jesus aplicou a si a imagem da serpente de bronze, “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que seja levantado o Filho do Homem a fim de que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14). É isto que acontece ao contemplarmos o Senhor Elevado em nossos altares, somos curados e ele nos concede a vida eterna, a felicidade sem fim; se o pecado adentra em nós pelos olhos, curemos nosso olhar ao volvê-lo para Jesus, o Supremo Bem. Demos pois, a Deus todo o nosso tempo, deixemo-nos ser conduzidos pelo Espírito de Deus, para que recuperemos o tempo perdido muitas vezes ao longo de nossas jornadas.

Ó Mistério celestial, admirável sacramento da fé! O que buscamos distante, se faz tão perto, o eterno entra no tempo, levantemos nosso pobre olhar e contemplemos piedosamente, fixemos nossos olhos no ostensório, eis diante de nós a fonte inesgotável do amor, sob as espécies do pão e do vinho, Deus verdadeiro se esconde, ó sublime humildade de Deus para conosco, é o esplendor da beleza plena que contemplamos, nosso corpo e nossa alma estremecem e rendemos a ele a honra e a glória para sempre.  





Entrevista com Padre Paulo Ricardo - sobre a Liturgia

Entrevista com Pe. Paulo Ricardo

1. Como V. Revma vê hoje a questão da Liturgia no Brasil e no mundo?

Nós estamos vivendo uma fase nova na história da Liturgia. Nós tivemos durante todo o século 20 um movimento litúrgico extraordinário de retorno as fontes; um progresso imenso no estudo da liturgia. Depois, com execução da Reforma Litúrgica do vaticano II, houve infelizmente uma aplicação muito errada da Reforma. Ela foi, de certa forma, positiva, mas muito mal aplicada. Agora vivemos uma terceira fase: a fase em que retomamos aquilo que poderíamos chamar de o “bonde perdido", retomamos o "trem perdido". Nós estávamos no movimento litúrgico, que foi interrompido por um processo revolucionário da década de 70 e 80, e agora estamos retomando aquele processo litúrgico anterior, para colher os frutos de um verdadeiro movimento litúrgico. É isso que o Papa Bento XVI, pelo menos espera colocar em ato, e aquilo que ele prevê no seu livro "introdução ao Espírito da Liturgia".

2. O saudoso Papa João Paulo II, na sua encíclica Ecclesia de Eucharistia, falava de "sombras" no modo com a Santa Missa é celebrada. Como interpretar essa expressão?


A meu ver essa sombras são exatamente isso: são frutos da má aplicação da Reforma Litúrgica. Nós vemos que, de alguma forma, entrou dentro do processo litúrgico da Igreja Católica uma mentalidade estranha e alheia a Igreja, que nós poderíamos chamar de mentalidade revolucionária, onde as pessoas fazem a Liturgia subjetiva, a partir dos seus gostos, de suas veleidades subjetivas. O Papa alerta para isso, e é necessário então nós retornarmos a forma tradicional da Igreja celebrar a Liturgia, mesmo que tenhamos os ritos litúrgicos do Vaticano II. Mas a Reforma Litúrgica do Vaticano II deve ser executada em sintonia com a tradição de 20 séculos.

3. Qual a importância do latim na celebração litúrgica? E do canto gregoriano?

A Liturgia só tem sentido quando ela é recebida do passado. Nós precisamos compreender que um rito litúrgico é algo recebido da tradição, recebido dos nossos pais. E é essa a importância do latim e do canto gregoriano. Ao se fazer orações em latim na Liturgia e ao se cantar cantos que foram cantados por gerações e gerações de cristãos antes de nós, nós tomando a consciência de que estamos vivendo algo que não foi inventado por nós, mas que nos une a uma multidão de santos e santas que viveram antes de nós, e que santificarem com aqueles textos e com aqueles cantos; se eles chegaram a se salvar e estar junto de Deus, também nós podemos fazer.

4. É possível resgatar um uso mais regular da língua latina mesmo na forma ordinária do Rito Romano, ou seja, na forma aprova pelo Papa Paulo VI? Como dar os passos para isso?

Não somente é possível como é desejável. Aliás, o próprio Papa Paulo VI e o Concílio Vaticano II sua constituição Sacrassanctum Concilium pediam isso: que os fiéis soubessem recitar e cantar orações em latim e usando o canto gregoriano. Agora, é evidente que tudo isso pode e deve ser feito dentro um processo, de um movimento gradual. Eu costumo sempre dizer que eu odeio tanto revoluções que as rejeito até quando elas são a meu favor. Uma revolução que de repente coloque tudo em latim e em gregoriano seria tão detestável quando a revolução da qual nós estamos querendo nos livrar. O povo de Deus não se move por decreto. O povo de Deus deve ser respeitado e educado lenta e gradualmente, trazido para a plenitude da fé católica e da beleza da Liturgia Católica, porque do contrario seria violentar o povo.

5. Quanto a Santa Missa “orientada” ou celebrada em “Versus Deum” (“Voltados para Deus”, isto é, com sacerdotes e fiéis voltados para a mesma direção), que o Cardeal Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, recomenda que se faça no seu livro “Introdução ao Espírito da Liturgia”: essa disposição pode ser utilizada mesmo na forma do Rito Romano aprovada pelo Papa Paulo VI? Qual o seu significado?”

Na verdade as rubricas do Missal aprovado por Paulo VI foram escritas pensando nas duas possibilidades: a Missa voltada para o povo ou a Missa voltada para Deus (também chamada de Missa orientada, já que as Igrejas eram construídas de tal forma que o sacerdote pudesse celebrar voltado para o lugar onde nasce o sol). Muita gente fala da Missa voltada para o povo como sendo uma das “conquistas” do Vaticano II. A verdade é que os documentos do Concílio nem tratam do assunto.

A Missa voltada para o povo foi uma adaptação introduzida pelos padres alemães celebravam assim em seus acampamentos com jovens e escoteiros. Isto que era uma situação completamente excepcional tornou-se regra quando da implantação da Reforma Litúrgica.

Na minha opinião a Missa voltada para o povo não tem nenhum fundamento teológico, psicológico ou pastoral, se considerarmos a verdadeira natureza da Missa. Sendo assim, a situação atual rompe completamente com a tradição de dois mil anos. Não há nenhum outro Rito Litúrgico que tenha este tipo de prática.

A Missa orientada tem a importante “missão” de tirar o sacerdote e colocar Deus no centro da celebração. Todos voltados para a mesma direção, sacerdote e assembléia, dirigem-se como Igreja para Deus e oferecem a ele o Divino Sacrifício Eucarístico.

O que fazer então? Segundo o Papa Bento XVI, no livro que você citou, a caminho de retorno, sem que o povo sofra violências, é colocar a cruz de volta no centro do altar. Desta forma o sacerdote celebrante pode olhar claramente para o Crucificado durante a Liturgia Eucarística e não dar ao povo a errada impressão de que está falando com a assembleia.

6. O Santo Padre Bento restaurou, recentemente, a Comunhão de joelhos e na boca em suas Missas celebradas em Roma. Muitos se surpreenderam com essa atitude do Papa. O que pensar disso?

Eu devo confessar uma coisa: eu, durante vários anos como padre, insisti terminantemente que as pessoas comungassem na mão, devido aos meus estudos. Eu estudei as catequeses mistagógicas de São Cirilo, e lá ele ensina a comungar na mão. E eu insistia nisso, porque afinal das contas, são os Santos Padres que estão nos ensinando; é a volta às fontes. E eu insistia nisso, e ficava até com raiva quando um seminarista vinha comungar na boca. Mas vejam: eu sou canonista, e também sabia que o seminarista tinha o direito de receber a comunhão na boca. Por isso, eu não proibia, só ficava incomodado. Tudo isso era o que eu lutava e cria até a pouco tempo atrás, até que Bento XVI me deu uma rasteira.

Bento XVI começou a dar a comunhão na Liturgia do Papa para os fiéis de joelhos, num genuflexório e na boca. Eu fiquei inicialmente chocado com aquilo, até que eu fui estudar. Por que ele é Papa! Se ele está tomando uma atitude, alguma razão tem. Então eu fui estudar quais são as razões, e como é que surgiu a comunhão na mão.

A primeira coisa que me espantou: descobri que a comunhão na mão - que é algo que podemos fazer, porque foi permitido – ela é uma excessão, segundo a lei canônica; ou seja, canonicamente a forma normal, comum, corriqueira , de se comungar, é na boca. É isso que foi colocado na legislação por Paulo VI e está nas várias legislações de João Paulo II. Mas desde que Paulo VI concedeu a comunhão na mão, ela é claramente uma exceção, permitam-me a redundância, excepcionalíssima. Vamos ficar com a verdade: a atual legislação da Igreja diz que a comunhão normal é na boca.

No Missal de Paulo VI , quando ele foi aprovado em 1969 e 1970 – são as primeiras aprovações do Missal que nós celebramos – não existe nenhuma referência à comunhão na mão. A coisa surgiu depois. E investigando, eu descobri que nos países do Norte da Europa – Holanda, Alemanha... – o pessoal começou a comungar na mão por iniciativa própria, por desobediência. O Papa ficou sabendo, e o Vaticano disse: parem com isso! Mas o pessoal continuou. Então chegou uma hora em que, para não ter uma rebelião em massa, o Vaticano deu uma autorização as Conferências Episcopais – como a CNBB, aqui no Brasil, por exemplo – para que elas, se acharem oportuno, peçam permissão a Santa Sé e a Santa Sé então dá permissão para a Conferência receber a comunhão na mão; mas o normal continua sendo a comunhão na boca. E isso eu descobri lendo um livro de um Arcebispo que foi responsável por toda a Reforma Litúrgica: Dom Annibale Bugnini (La Riforma Liturgica 1948 – 1975, Roma: CVL). Foi ele o chefe da comissão responsável por elaborar o Missal que nós temos hoje. E isso ele disse claramente, é ele que narra; eu não ouvi isso de uma fofoca.

Quais são as razões de Bento XVI agora estar dando a comunhão na boca e de joelhos? O Papa já falou algumas vezes, quando ele era cardeal, e ultimamente ele tem falado através dos seus ajudantes. Portanto, as informações que vou passar aqui são de ajudantes do Papa, como seu mestre de cerimônias, Mons. Guido Marini; o ex-secretario da Congregação para o Culto Divino, Dom Ranjith, e o atual Prefeito da Congregação para o Culto Divino, cardeal Cañizares. O Papa acha que nós estamos correndo um risco muito grande de perder a devoção e a fé na Eucaristia. Infelizmente, em alguns lugares da Igreja, a Presença Real de Jesus na Eucaristia está se tornando uma piada: ninguém acredita mais.

São Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses Mistagógicas, recomendava aos seus fiéis que recebessem a comunhão nas mãos, e eu não estou recriminando isso: não é pecado receber a comunhão na mão. Mas São Cirilo não vive nos nossos dias, e eu duvido que na época dele houvesse esse tipo de escândalo que existe hoje, de gente que perdeu a fé na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Isso é muito grave e nós precisamos fazer alguma coisa.

Não é uma questão de arqueologia litúrgica: se formos fazer arqueologia, é evidente que a comunhão na mão é muito mais antiga, é muito mais tradicional, do que a comunhão de joelhos e na boca. Mas o problema é que nós estamos em uma época em que a Presença Real de Jesus na Eucaristia está sendo esquecida, deixada de lado, e isso mudou a minha opinião: o Papa tem razão. Uma pessoa que recebe a comunhão de joelhos está se inclinando diante da Majestade de Deus: Deus é Deus, eu não sou nada. A pessoa que está recebendo a Comunhão na boca porque até a migalha mais pequenina da Hóstia Consagrada é preciosa; não somente é pedagógico, mas é verdadeiramente adoração, é verdadeira devoção eucarística, é verdadeira entrega a Deus.

Nos tempos que correm, nós não podemos nos dar ao luxo de arqueologismos litúrgicos. No primeiro milênio não tinha comunhão na boca, mas também não tinha herege que não acreditava na Presença Real de Jesus na Eucaristia. Nós estamos em um tempo diferente, e a Igreja evolui também na sua forma de demonstrar devoção a Cristo. Foi de mil anos para cá que começaram aquelas heresias que negaram a Presença de Cristo na Eucaristia que culminaram com a reforma protestante, que a negou de vez, e agora estamos nessa situação.

O Papa está nos dando exemplo de devoção eucarística, de verdadeira união a tradição da Igreja, mas uma tradição que sabe evoluir ao longo dos tempos; a Igreja sabe, como mãe e mestra, colocar o remédio certo na hora certa. E em um tempo em que, infelizmente, acontecem abusos e padres que perdem a fé na Presença de Jesus na Eucaristia, a Igreja como mãe e mestra quer renovar essa fé.

7. Em muitas dioceses há sacerdotes e ministros extraordinários que negam ministrar a Comunhão para o fiel que deseja comungar de joelhos, fazendo que os fiéis passem por situações constrangedoras e gerando escândalo. Como V. Revma. esse fenômeno, e o que fazer em relação a isso?

Eu sou professor de Direito Canônico, e uma das observações que eu faço em aula para os meus alunos é o seguinte: que de uma forma geral os padres e bispos tem alergia ao Direito Canônico, exatamente porque 90% das normas canônicas estão lá para defender os fiéis, os sacramentos e a Palavra de Deus do alvitre dos padres e bispos. Então é evidente que aqueles que são os mais tolhidos pelo Direito Canônico são aqueles que mais recalcitram contra ele. No entanto, o Direito Canônico é necessário. A Igreja dá poder aos padres e bispos, e ao mesmo tempo se apressa em limitá-lo. Porque sabe que pelo nosso pecado original nós temos uma tendência de abusar do poder. Negar a comunhão ao fiel que legitimamente deseja recebê-la de joelhos e na boca é sem dúvida alguma um abuso de poder. Para resolver o problema, eu recomendo aos fiéis prudência e determinação. Prudência para ver se com 10 mil homens você consegue vencer um exercito que vem contra você com 20 mil. E determinação para não abandonar a reverencia e a sacralidade da forma com nós recebemos a Sagrada Comunhão. Penso que é importante que os fiéis insistam num movimento litúrgico em que o verdadeiro espírito da Liturgia seja resgatado, mesmo que esse movimento tenha que pacientemente esperar décadas.

8. E quanto à forma extraordinária do rito romano, a ”Missa Tridentina"? Como vê V. Revma. esse aumento dos pedidos dos leigos para que se a celebre?

O Missal anterior aquele que nós celebramos hoje é um Missal que santificou gerações e gerações de cristãos. As pessoas vêem que existe algo de errado na forma de se celebrar hoje em dia, e por isso tem a tendência de imputar essas dificuldades ao Missal de Paulo VI. Ou seja, "se a Liturgia vai mal, é porque o Missal de Paulo VI é mau". Eu respeitosamente discordo dessa opinião. Eu acho que se nós executássemos o Missal de Paulo VI, se nós obedecêssemos a ele, teríamos uma Liturgia esplendorosa e magnífica. O problema é que não o fazemos. Então existem muitos equívocos com relação ao Missal de Paulo VI. Nós vemos, por exemplo, na internet, com freqüência, abusos litúrgicos que são fotografados e colocados dizendo: “Vejam o Missal de Paulo VI!” Quando isso é incorreto, ou seja, aquilo não é o Missal de Paulo VI, aquilo é o abuso dele. Não posso imputar ao Missal de Paulo VI os atos daqueles que estão destruíndo este Missal. Agora, esses pedidos que aumentam cada vez mais de se celebrar a Liturgia conforme o Rito Extraordinário são pedidos de pessoas bem intencionadas que querem voltar a tradição da Igreja, e por isso devem ser valorizados e respeitados, ao mesmo tempo em que essas pessoas deveriam ser esclarecidas, para que se compreendesse que a atual situação de desrespeito da Liturgia não é devida ao Missal, mas exatamente a ausência de respeito ao Missal.

9. Dizem que nas dioceses e instituições que prezam pela Liturgia bem celebrada, de acordo com as normas liturgias, com incentivo ao canto gregoriano, ao latim, mesmo ao canto popular mais sóbrio, e mesmo em vernáculo celebrada de forma decorosa e solene, haveria um aumento de vocações. Isso é verdade e como podemos analisar este fenômeno?

Eu concordo com o falecido cardeal Hans Urs von Balthasar, que dizia que o homem moderno será atraído para Deus não tanto pela verdade da fé, ou pela bondade do caminho moral cristão, mas pela beleza. Cita-se com freqüência a frase de Dostoiévski “a beleza salvará o mundo”. De alguma forma, é verdade que o homem moderno, se sente muito mais atraído para Deus, para a verdade da fé, e para a bondade do caminho cristão, se esta verdade e esta bondade forem apresentadas de forma bela. Este é o caminho que atrairia muitas pessoas a Deus. E atraindo essas pessoas com a celebração litúrgica bela, bonita e decorosa, certamente, entre elas, haveria muitas vocações. Eu não tenho duvida que uma celebração conforme a tradição da Igreja é fonte de vocações para a Igreja, e que celebrando mal, teremos menos padres, celebrando bem, teremos numerosas vocações.

10. O clero brasileiro percebe a importância do latim, do canto gregoriano, e assim por diante?

É necessário distinguir. Existe uma nova geração que está acordando para isto. A nova geração de padres e seminaristas está resgatando aquilo que a geração anterior jogou fora. Infelizmente esses padres jovens e seminaistas não tem nem poder e nem influencia suficiente para mudar substancialmente o contexto eclesial no qual eles vivem. Mas chegará o dia em que eles estará amadurecidos e prontos para assumir o comando, e então veremos uma situação melhor. Por isso eu diria que o clero brasileiro, de alguma forma, está dividido entre uma geração mais antiga, que viveu a revolução estudantil de 1968, os desmandos da aplicação inicial da reforma litúrgica, a revolução sexual, o secularismo, e todo o tipo de reação adversa ao cristianismo e à Igreja. Esta geração mais antiga é a geração que nos governa atualmente, eles são muito temerosos e resistem a querer enfrentar o mundo moderno. Já a geração mais nova é de uma outra lavra. Eles já nasceram dentro do secularismo, e portanto o rejeitam e não tem medo de enfrentá-lo. O único problema desta nova geração é que muitas vezes ela não tem formação e nem orientação suficiente para notar a sua vocação de transformação e reforma da atual situação de Igreja.

11. Como reitor de seminário, quais os meios que V. Revma. vê para formar seminaristas totalmente ortodoxos em matéria litúrgica

Existem inúmeros meios. Uma das coisas que nós fazemos em nosso seminário é não supor que o rapaz que acaba ingressar no seminário é cristão e é católico. A fé ela deve ser transmitida. Então é necessário receber o candidato que ingressa no seminário transmitindo a ele a fé da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica, a Tradição da Igreja através de um conhecimento da história da Igreja, sobretudo da história da Igreja antiga, dos Santos Padres e dos primeiros concílios, transmitir a ele o sentido da correta interpretação das Sagradas Escrituras na Tradição da Igreja, e finalmente transmitir também o respeito as normas e aos textos litúrgicos. Se nós edificarmos esse rapaz em todo esse contexto geral de eclesialidade, ele irá, depois, obedecer as normas litúrgicas. A dificuldade que eu vejo sempre na obediência dos padres jovens é muitas vezes a dificuldade da ignorância. Eles não sabem o valor daquilo que estão jogando fora.

12. V. Revma. tem enfrentado resistências em algum esses sentidos? Como resolvê-las? Vê algum sinal de esperança?

A resistência nós a encontramos quando tentamos enfrentar o problema sem pedagogia e sem respeitar a história acontecida até agora. Vou tentar ser mais claro: em alguns lugares do Brasil, por exemplo, os padres insistem ainda em celebrar a Missa só de estola, sem casula. Ora, se eu chego e tento impor aquele padre o uso da casula, eu devo considerar primeiro o fato que se ele está usando somente estola é porque ele foi formado assim. E se eu for buscar a raiz, eu irei ver que essa desobediência tem origem na norma que foi dada pela Santa Sé permitindo ao clero brasileiro na década de 70 de celebrar a Missa apenas com túnica e estola. Portanto, é uma situação que foi instaurada pela própria autoridade da Igreja. Se agora eu tenho um decreto de Roma que manda, mais uma vez, que os padres abandonem este uso e comecem a usar a casula, eu tenho que considerar esta história e ter a paciência histórica de levar as pessoas à compreensão desta mudança. Então, as resistências muitas vezes são fortes quando nós não levamos em conta o fato de que nós temos toda uma geração que não recebeu uma formação adequada exatamente por causa dos próprios documentos e orientações que receberam. Portanto, talvez seja necessário ter paciência com esta geração mais antiga e esperar por uma geração nova formada de uma forma diferente.

13. Como V. Revma. enxerga a grande migração que muitos leigos, inclusive jovens, fazem em direção a grupos que, embora conservem a liturgia tradicional, a Missa Tridentina, não estão em plena comunhão com Roma? O que fazer para solucionar o problema?

Em primeiro lugar eu vejo que talvez o grupo não seja tão grande assim, pelo menos aqui no Brasil. Em segundo lugar, a solução para uma revolução nunca é uma outra revolução. A solução para uma revolução de esquerda não é uma revolução de direita. E o que eu entendo por revolução? A mente revolucionária é aquela cabeça de adolescente que está convencida de que sabe como o mundo deve ser, e por isso, o mundo está errado. Quando os jovens do movimento hippie viram o mundo dos seus pais e contestaram e rejeitaram aquele mundo, estavam sendo revolucionários. Quando o jovem tradicionalista de hoje vê o mundo dos seus pais, e o rejeita completamente, também está sendo revolucionário. Qual seria a solução? A solução é sempre vivermos num mundo real com suas dificuldades e contradições e tentar combater a maldade que nós encontramos no dia-a-dia sem destruí-lo. Sendo mais concreto: sair da Igreja para salvar a Igreja já foi tentado por Lutero e deu errado. É necessário abraçar a Igreja real, como ela sempre existiu em 2000 anos. Uma Igreja com membros cheios de pecados, falhas e traições, embora a Igreja seja santa e imaculada. A fidelidade à Igreja é parecida com a fidelidade de um casal. Uma comparação semelhante é feita por São Paulo em sua carta aos Efésios (6, 32). O casal precisa estar pronto para perdoar o pecado um do outro, sem desistir um do outro. O jovem que se divorcia da Igreja porque não suporta os defeitos dos seus membros está abandonando uma Igreja real para viver numa Igreja ideal que a meu ver não passa da expressão de uma revolução de direita.

14. O Cardeal Castrillón Hoyos insiste na chamada "ars celebrandi", expressão que é frequentemente utilizada também pelo Santo Padre Bento XVI. Em que ela consiste? Como colocá-la em prática?

A Liturgia é chamada historicamente de teatro. Para nós modernos, o teatro é sempre algo falso, algo sem consistência de sinceridade. Por isso, falar de arte de celebrar pode parecer a insistência numa pantomina e numa hipocrisia, mas não é isso. A Liturgia é teatro n sentido de drama. Nela, acontece o drama de nossa salvação. Nela, existe um conflito de liberdades: a liberdade divina e soberana, como protagonista principal desse grande drama, e a liberdade humana que deve se configurar a Deus. Nesse sentido, toda a historia da salvação é um drama, um teatro. A arte de celebrar é a entrada do ser humano todo neste drama extraordinário que a própria Liturgia chama de duelo entre a vida e a morte, é da sequência Pascal, “mors et vita duelo, conflixerunt mirando”. Neste contexto, a arte de celebrar significa uma entrada da pessoa como um todo dentro de um drama espiritual e isto acontece através dos símbolos litúrgicos que são também símbolos artísticos.

15. Quais são as causas, na visão de V. Revma., de tanto desleixo para com a Liturgia no Brasil? A Teologia da Libertação, o modernismo, condenado por São Pio X, bem como o marxismo cultural e a Revolução, têm que parcela de culpa?

Sem duvida alguma, aquilo de negativo que nós encontramos na atual vida litúrgica do Brasil, é fruto de um processo revolucionário. Mais uma vez eu gostaria de enfatizar o que é a mentalidade revolucionária:a mente revolucionário é aquela que está muito convencida da verdade das suas idéias, e quer impor ao mundo as suas idéias. Os liturgos revolucionários no Brasil tem a tendência de confeccionar uma liturgia mental, o ideal daquilo que seria a Liturgia para eles. E então aplicar essa idéia de Liturgia na prática. Ora, pouco importa que a matriz revolucionária desses pensamentos seja marxista, da Teologia da Libertação, modernista ou liberal; trata-se sempre de um único e mesmo mecanismo. O liturgista se propõe como demiurgo da Liturgia. Ele faz, ele cria, nesse sentido esses liturgistas que pretendem ser tão democráticos, na verdade, não passam de déspotas porque impõem a assembléia litúrgica as suas idéias de Liturgia. Nada de mais anti-democratico do que um liturgista revolucionário ou uma equipe litúrgica revolucionaria, que é uma pequena elite que impõe ditatorialmente ao povo de Deus as suas concepções de Liturgia. E o Direito Canônico diz claramente que o povo de Deus tem direito de receber dos seus Sagrados Pastores a Liturgia da Igreja.

16. Felizmente, hoje alguns excelentes escritos litúrgicos tem sido publicados ou chegando ao Brasil em português, como "Introdução ao Espírito da Liturgia", do Cardeal Ratzinger (hoje Papa Bento XVI), e "Dominus Est - É o Senhor!", de Dom Athanasius Schneider. Por que há essa dificuldade de tais materiais chegarem ao Brasil, e como avalias em geral os escritos litúrgicos publicados aqui?

Como eu me referi em uma outra pergunta, nós atualmente somos governados, tanto no âmbito político como no âmbito eclesial, pela geração que viveu as grandes mudanças da década de 70. A maior parte das pessoas dessa geração ou são plenamente revolucionarias ou tem um medo imenso de enfrentar a mentalidade revolucionaria. Por isso, a tendência de selecionar os títulos que são publicados no Brasil, já que a maior parte dos editores pensa ou que esses títulos são inoportunos, porque são editores revolucionários, ou que esses títulos não irão vender e que não há interesse geral porque são editores que já capitularam diante da pressão revolucionária. Um dos lugares onde as pessoas mais corajosas encontram um fórum livre, no qual podem ter acesso a esse tipo de literatura, é a internet. Embora muitos livros não estejam disponíveis em sua totalidade na internet, pode-se partilhar o conteúdo desses livros de forma indireta, através de resumos e resenhas.

17. Como V. Revma. avalia que o Santo Padre Bento XVI, em sua proposta de “reforma da reforma”, tem sido apoiado pela demais autoridades litúrgicas de Roma, Cardeal Cañizares, Cardeal Arinze, como Dom Guido Marini, Mons. Ranjith?

Essas pessoas citadas são todas pessoas de confiança direta do Santo Padre e que receberam o encargo de por em ação esse novo movimento litúrgico. Muitas pessoas reclamam da lentidão com que Roma estaria realizando esta Reforma da Reforma, mas eu creio que a lentidão faz parte desse processo. Não é necessário dizer que qualquer decreto vindo de Roma não tem efeito algum se não houver uma recepção na base, e que portanto, mais importante do que exarar decretos, é por em ação um movimento, principalmente entre os jovens, onde a sensibilidade para com a Liturgia da Igreja e a Tradição seja mais presente. É exatamente isto que esses homens estão fazendo.

18. Alguns padres mais novos começam a vestir batina, a usar clergyman, a celebrar com decoro, a se interessar pelo latim, pela forma ordinária bem celebrada (inclusive com latim e canto gregoriano), pela Missa Tridentina. Também leigos bem formados estão despertando e tomando iniciativas apostólicas para promover a Liturgia de acordo com o que nos manda a Santa Igreja e conforme a tradição da Igreja. O que diz V. Revma. disso tudo?

Vejo com bons olhos porque vejo a boa vontade desses jovens. Embora deva admitir que é necessário que toda essa boa vontade seja acompanhada de uma boa formação espiritual. Porque toda esta embalagem precisa ser acompanhada de conteúdo. Quanto eu era seminarista, no final da década de 80, já se notava na Europa uma tendência de os seminaristas serem mais conservadores do que os seus próprios formadores dentro dos seus seminários. No entanto, muitas vezes, por falta de formação espiritual, de uma vida ascética de disciplina, esta boa vontade dos seminaristas caiu na vazies de uma vida incoerente com aquilo que se propunha. Penso que é muito importante que o padre ame a sua batina, mas mais importante ainda é que ele honre a sua batina. Porque em alguns lugares tem tido um efeito devastador jovens sacerdotes se vestirem com a tradição e levarem uma vida moral em completo desrespeito com a Tradição. Por isso, vejo com bons olhos a boa vontade desses padres jovens e seminaristas, e ao mesmo tempo vejo com apreensão porque penso que é necessário dar a eles uma formação espiritual e ascética que corresponda a essa boa vontade. É aquilo que eu tentei fazer quando escrevi o
meu livro sobre a Terapia das Doenças Espirituais.

19. Aos que querem a Missa mais sóbria, de acordo com as normas, com incenso, latim, paramentos bonitos, logo se lhes acusam de "rubricistas" ou de "obtusos", "antiquados" e até de "fariseus". Dizem que a Missa tem que ser "alegre", com improvisação, sem se prender a fórmulas. Alegam que pra Jesus, “o que importa é o coração, é o interior”. Como responder a tudo isso?

“Unum facere et alium non omittere”, Fazer uma coisa e não omitir a outra. Ou seja, observar as normas litúrgicas e obedecê-las não é algo que está divorciado com o coração. É necessário escolher as duas coisas. Obediência das normas e soprar sobre estas normas, que são letra morta, o Espírito com o qual elas foram elaboradas. O espírito que é uma verdadeira tradição espiritual da Igreja. Por isso, essa dicotomia é uma falsa alternativa. Seria como pedir a uma pessoa que escolhesse entre o corpo e a alma, dizendo a ela ou ela fica com a alma ou ela fica com o corpo. A única resposta possível é dizer: eu não escolho, eu fico com os dois. Eu fico com a norma litúrgica e fico com o coração.

20. Vemos no Brasil que, após décadas de predomínio do pensamento da Teologia da Libertação, uma nova tomada de consciência por parte de muitos fiéis no que diz respeito a Santa Missa como Renovação do Sacrifício do Calvário, a Presença Real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, e culto de adoração devido a Ele, e assim por diante. Porém, mesmo em alguns desses meios onde está ocorrendo esta tomada de consciência (como em alguns ambientes da Renovação Carismática Católica), ainda há uma resistência em celebrar conforme determinam as normas litúrgicas e valorizar realmente o esplendor e a solenidade segundo a tradição litúrgica. Qual a causa dessa contradição? Como resolver?

Existe uma idéia equivocada que pensa que o Evangelho é incompatível com a lei, ou seja, que o Espírito sopra onde quer e que uma lei só iria matar a verdadeira fidelidade ao Evangelho de Cristo. Mas esse idéia é equivocada. O Evangelho de Cristo é uma Palavra que me vincula. Quanto eu dou o meu assentimento de fé a Cristo, eu estou necessariamente vinculado a Palavra Dele, e portanto, na própria natureza do Evangelho e da resposta de fé, existe algo que me vincula e que me limita. Eu não posso trair a Palavra de Cristo. Eu não possa transformá-la em uma outra Palavra. Eu preciso aceitá-la, ser fiel a ela e transmiti-la como eu recebi. Isto que acontece com a Palavra deve acontecer também com o Sacramento. O que seria de nós, se nós disséssemos que eu preciso transmitir a Palavra de Deus com liberdade e criatividade? Terminaria que no curso de uma década, a Palavra de Deus pregada já não seria mais a Palavra de Cristo; talvez não seria nem necessário esperar uma década. A mesma coisa acontece com o Sacramento. O que me garante que o Sacramento que eu hoje celebro é o mesmo Sacramento do Cristo de 2000 anos atrás? É simplesmente o fato de que Ele deixou um Sacramento. E esse Sacramento me vincula, e eu preciso fazer de tudo para que esse Sacramento seja transmitido ao longo dos séculos tal qual ele é. Por isso, o Espírito, a liberdade e o Evangelho não são incompatíveis com a lei, a tradição e o vinculo necessário para que a Palavra e o Sacramento de Cristo seja os mesmos através dos séculos.

21. Um futuro promissor para a liturgia no Brasil é visto por V. Revma. a curto prazo? Quais os erros que devem ser evitados nesse trabalho de "reforma da reforma"?

Se nós olharmos para a história da Igreja, nós notaremos que nunca aconteceu aqui na terra o paraíso da Liturgia perfeita. Penso que é importante não esperar esse paraíso. O que nós podemos esperar para o nosso futuro é que nós tenhamos força e decisão moral o suficiente de proteger a Liturgia e os Sacramentos da Igreja, de lutar para que os Sacramentos e a Liturgia não sejam destruídos, mas celebrados conforme a Tradição, conforme aquilo que Jesus e os Apóstolos deixaram. Penso que é esse o futuro que nós podemos desejar para o Brasil. Também penso que não é possível prever o futuro, já que, em todo o futuro, existe uma liberdade humana, e dependerá de nós que esse futuro seja melhor do que aquilo que vivemos hoje.

22. Por fim, uma palavra de incentivo aos leitores do Salvem a Liturgia, e o seu pensamento a respeito do nosso Apostolado.

Penso que é de extrema importância colocar a Liturgia no centro dos debates e da vida eclesial. O Papa Bento XVI escolheu a Liturgia como a grande contribuição do seu pontificado. Aos leitores do salvem a Liturgia, eu gostaria de dizer que continuem amando e fazendo o bem a Igreja, da forma que estão fazendo, porque se salvarmos a Liturgia, seremos salvos por ela.