sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A Fé na Ressurreição dos mortos segundo o Novo Testamento


            No Novo Testamento, sobretudo, pelos evangelhos sabemos havia uma certa divisão a cerca da crença na Ressurreição dos mortos, os saduceus negavam a ressurreição; os fariseus, ao invés a defendiam (Mc 12,18; At 23,6-8). Ao lado destas posições colocava-se Jesus que, com a sua ressurreição deu sentido a toda a realidade:
“Os túmulos se abriram e muitos corpos de santos ressuscitaram. Eles saíram dos túmulos, depois da ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitos” (Mt 27,52s). É mister, observarmos que a realidade da morte e da ressurreição envolvem o Homem como um todo, por isso,  se formos partir de uma antropologia teológica bem fundamentada, vemos que o Homem encontra a sua razão de ser em Cristo, é Ele o Homem perfeito, de modo que, a salvação que o ser humano espera, não é outra senão a configuração com Cristo, ou seja, somos chamados a trazer em nós a imagem do homem celeste e espiritual. Todavia, isto só é possível ao homem, participando da ressurreição de Cristo, que uma vez ressuscitado como primícias, com seu corpo cheio do Espírito vivificador, pode doá-lo aos homens, e assim plenos do Espírito do Ressuscitado, teremos esta vida plena com Cristo.
            Então aqui já nos fica claro uma coisa: olhar a ressurreição a partir de Cristo e de modo individual. Isto já nos faz dar um salto na visão veterotestamentária que era coletiva. Cristo será a primícias do Mundo Novo, inaugurado pela sua gloriosa ressurreição. Portanto, é interessante  fazer uma distinção sobre a terminologia do Novo Testamento. Há dois modos de usar o termo “ressurreição”:

·      Em sentido neutro: como passo prévio ao juízo. Este não é o sentido teologicamente mais profundo;
·      Em sentido teologicamente positivo: como plena participação e configuração à vida de Cristo ressuscitado. Tal ressurreição é reservada somente aos bons. Este último sentido é o que realmente tem importância e faz parte essencial do kerygma; antes, é o seu próprio centro!

Por isso que a pregação de Jesus, ou para sermos mais precisos a sua presença no meio da história, já é a certeza de que o Reino não virá somente no fim de tudo, mas já agora na vida presente, então começa agora no hoje da vida para desembocar em plenitude total na Glória de Deus, no coração da Trindade.
            Em Cristo o ser humano já experimenta a vida eterna agora, basta que olhemos as palavras do próprio Jesus apresentadas pelo Quarto Evangelho: Na verdade eu vos digo: quem escuta minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é condenado, mas passou da morte para a vida.  Na verdade eu vos digo: vem a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão” (Jo 5,24s).
Estes mortos que São João fala em seu Evangelho, são os que estão no pecado e, por conseguinte, encontrarão a vida crendo em Jesus e escutando sua palavra. Entretanto, podemos entender também o caráter da ressurreição dos mortos, no final de tudo, naquilo que biblicamente conhecemos como o Último dia, diz o texto escriturístico: “Quem come minha carne e bebe meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim também quem comer de minha carne viverá por mim. Este é o pão descido do céu. Não é como o pão que vossos pais comeram e, ainda assim, morreram. Quem come deste pão viverá eternamente” (Jo 6,54-58).
A ressurreição no Último Dia (também chamado Terceiro Dia) é, em certo sentido, antecipada e mudada em seu sentido, com Jesus: ele mesmo é a vida, é a ressurreição que ilumina a ressurreição final - esta última recebe de Cristo o seu sentido e normatividade! Portanto, aparece claramente em João uma perspectiva de presente ligada àquela de futuro.
Indo mais adiante na visão neotestamentária de ressurreição, a mesma perspectiva está presente também em Paulo: para ele, o Batismo é já uma verdadeira participação, um verdadeiro mergulho (= batismo) na morte e ressurreição do Senhor.
Na carta aos tessalonicenses aparece uma ideia de Ressurreição enquanto participação na parusia. Vejamos que os tessalônicos confusos pela morte de vários membros da Comunidade antes da Parusia, e crentes numa parusia iminente começam a se questionar sobre o que irá acontecer com aqueles que morrerem antes da vinda do Senhor. Portanto, Paulo explica que os vivos não precederão os mortos. Note-se o quanto é marcante a primazia da ressurreição de todos e numa perspectiva de Parusia: ressuscitar é participar da Glória do Ressuscitado quando da sua Manifestação! Observemos o texto da carta aos tessalonicenses:
“Irmãos, não queremos que ignoreis coisa alguma a respeito dos mortos, para não vos entristecerdes, como os outros homens, que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus levará com Jesus os que nele morrerem. Eis o que vos declaramos conforme a palavra do Senhor: nós, que ficamos ainda vivos, não precederemos os mortos na vinda do Senhor.  Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o próprio Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os vivos, que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles para as nuvens, ao encontro do Senhor nos ares. Assim estaremos sempre com o Senhor. Consolai-vos, pois, uns aos outros, com estas palavras”. (1Ts 4,13-18).
Na carta aos coríntios São Paulo nos apresenta a questão da ressurreição corporal, acompanhemos o texto:  “Ora, se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos, como é então que dizem alguns de vós que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos também Cristo não ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, é vã nossa pregação e vã vossa fé. Seremos também falsas testemunhas de Deus, porque contra Deus afirmamos que ele ressuscitou Cristo dos mortos, a quem não teria ressuscitado, visto que os mortos não ressuscitam. Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé, e ainda estais em pecado. E até os que em Cristo morreram, pereceram. Se só temos esperança em Cristo para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas na verdade Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morrem. Com efeito, assim como por um homem veio a morte, assim também por um homem vem a ressurreição dos mortos. Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo, em seguida os que forem de Cristo por ocasião de sua vinda. Depois será o fim, quando entregar o reino a Deus Pai, após haver destruído todo principado, toda potestade e toda dominação. Porque é necessário que ele reine até pôr todos os inimigos debaixo de seus pés. O último inimigo reduzido a nada será a morte, pois ele pôs todas as coisas debaixo dos pés”. (1Cor 15, 12-27).
Façamos algumas observações a cerca desta concepção paulina em oposição aos coríntios: os coríntios pensam que a ressurreição já aconteceu numa dimensão apenas espiritual. Por isso, vivem no entusiasmo... Paulo, fundado na ressurreição de Cristo, insiste muito fortemente na importância do kerygma, que é a ressurreição de Jesus, à qual se une a ressurreição dos mortos.
Diante deste kerygma, põe-se a questão: como podem os coríntios dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou! Parece que o Apóstolo coloca a ressurreição de Cristo como um caso num contexto geral. Mas não é assim: ele se coloca na posição do adversário. Não se pode pensar numa ressurreição geral prévia à ressurreição de Jesus. O raciocínio dos coríntios possui dupla contradição:

1.    negando a ressurreição, negam a de Cristo: se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou e a fé cristã é vã.
2.    se não há ressurreição, nega-se qualquer esperança para os que morreram e o cristão é o mais miserável dos homens.
A vida, portanto, não procede de um princípio antropológico, mas vem do próprio Deus. Para Paulo o que interessa é o homem inserido no mistério da salvação, mistério de Cristo, o homem chamado à plenitude de Cristo! Note-se também que Paulo não quer identificar Cristo com o Espírito Santo, mas sublinhar que Cristo, pela sua ressurreição, está plenamente “espirituado” e torna-se doador e fonte do Espírito! Como há um corpo terreno, também há um corpo celeste. O primeiro Adão vem da terra, é psíquico, possuidor de uma vida biológica e racional (dotado, portando de uma alma incorruptível, porque imaterial), o segundo Adão vem do céu, é “espirituado” (seu princípio vital é o Espírito de Deus, que reveste de vida divina seu corpo e sua alma, dotando-os da imortalidade que é característica do próprio Deus). Assim como agora levamos a imagem do homem terreno, levaremos na ressurreição a imagem do celeste, Jesus ressuscitado! Assim, à questão fenomenológica, Paulo responde teológica e cristologicamente!
Um último ponto a ser destacado é: Há ainda uma explicação que o Apóstolo apresenta à questão “como ressuscitam os mortos?”
A resposta somente pode ser uma: os mortos ressuscitam como Jesus! O problema tratado aqui é relacionado com a espera de uma Parusia eminente: como os vivos por ocasião da chegada do Senhor revestiriam um corpo de glória? Paulo afirma que ainda que todos não morram, todos serão transformados, de modo que haverá uma ruptura entre a nossa situação presente e a nossa situação futura! É a mesma idéia de 2Cor 5,1-5, onde o Apóstolo insiste na necessidade de revestir o corpo celeste. Não se trata, portanto, de libertar-se do corpo, mas de vê-lo transformado segundo Cristo! A ressurreição dos mortos é participação na vida do Cristo ressuscitado, doador do Espírito, “Senhor que dá Vida”!

Nenhum comentário:

Postar um comentário