sábado, 24 de março de 2012

A morte como fracasso e sucesso humano

A morte enquanto realidade humana pode ser tida como fracasso quando as pessoas tentam mascará-la, querendo simplesmente esconder o seu real significado. O problema muitas vezes está na forma como o ser humano encara esta realidade da morte, sobretudo, o homem ocidental, vejamos que no Ocidente, de modo geral, há hoje a tendência de esconder a morte, de não integrá-la à vida: trata-se de algo que não deve aparecer, algo de mau gosto, algo que fere o produzir, economizar, consumir do mundo atual. Sobretudo, quando vivemos em um mundo do culto desregrado da corporeidade, onde a morte seria o fim de meu “belo corpo”, é a sociedade das aparências. No Ocidente a morte tem assumido ares de tabu como foi falado no primeiro ponto. Basta observarmos em nossos dias a forma como são construídos os cemitérios, eles são apresentados como parques e jardins, os velórios aparecem como confortáveis apartamentos; demos um passo a mais volvamos nosso olhar para os hospitais, hoje as UTI’s tornaram-se ambientes extremamente frias e impessoais, quando alguém está internado depois de muita luta com a doença, onde o próprio paciente sente que a morte está sobrevindo a ele, se a pessoa vem a falecer, não é visto como o processo normal da vida humana, mas como falência da arte da medicina, tudo para esconder a realidade da morte, sem contar que a morte deixou de ter um caráter comunitário e se estabeleceu um caráter solitário. Assim, a morte é encurralada em lugares “especializados”. Num contexto assim, já não é possível falar na possibilidade de uma morte cristã consciente, recebendo os sacramentos. Até os que recebem os sacramentos, em geral, ao receberem, já estão inconscientes. Se chamar o ministro o morto desaparece logo, é um morrer de forma anônima.

            Esta postura ocidental rompe de modo alienante com o modo humano de encarar a morte. Efetivamente, sempre houve, em todas as religiões, fé na vida após a morte. Esta não pode ser a última palavra na consciência da humanidade. O que acontece em nossos dias é uma espécie de banalização ou até mesmo privatização da morte aqui vemos todo o fracasso da morte encarada como realidade humana.

A isso podemos ainda partir para outro campo, o daqueles que vivem o consumismo, entendendo de forma errada aquela máxima do “carpen diae”. Aquele futuro no qual todo ser humano espera, como o seu fim, a sua alegria, a sua esperança, muitos o destinam nos bens materiais, e nãos e dão conta de que em sua morte não poderão levar nada, tudo fica na terra dos mortais, onde a traça corrói.

O sucesso da morte pode ser entendido quando compreendemos o destino verdadeiro daqueles que terminam o seu curso terrestre, antes de tudo é necessário voltar à afirmação inicial: se é verdade que o cristão não sabe nada sobre a morte além daquilo que os outros sabem, é também verdade que ele recebeu palavras que esclarecem esse enigma, de modo que conhece a morte na verdade que o Espírito Santo lhe ensinou.  Assim, segundo o dado revelado, a morte como a experimentamos está vinculada ao pecado de uma humanidade que disse não a Deus. Por isso mesmo tem um caráter irrefutável de escravidão, tirania e absurdo, contra os quais não se pode fazer nada! “De morte morrerás” (Gn 2,17).

Porém, se parássemos aqui tudo estaria destinado ao fracasso, todavia, estamos diante do ponto exato onde irrompe o sucesso, vejamos, o homem Jesus, Filho de Deus encarnado, fez da morte um supremo ato de liberdade e de amor a Deus e aos homens: “O Pai me ama porque dou minha vida para de novo a retomar. Ninguém a tira de mim. Sou eu mesmo que a dou. Tenho o poder de dá-la e o poder de retomá-la. Esta é a ordem que recebi do meu Pai” (Jo 10,17s). “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).



Cristo morreu a morte com a angústia que lhe é própria enquanto algo que nos é imposto, mas transformou isto em abandono confiante no Deus vivo, esperança de ressurreição e caridade para com os irmãos. Assim, a morte mudou de sentido: não mais é necessariamente visibilidade da culpa, pena pelo pecado, mas pode ser convertida em ato de fé, esperança e amor! A morte foi tragada pela vitória! (1Cor 15,54)

            Se a morte é o fim do homem inteiro, a mudança operada por Cristo atinge visceralmente esta realidade, já que Cristo morreu para ressuscitar! Assim, a ressurreição é a recuperação da existência do homem inteiro, que entre no estado definitivo e pleno da existência. De ser-para-a-morte que se tornou, o homem volta a ser o que Deus pensou para ele: ser-para-a-Vida! A partir de Cristo, portanto, cassa a qualificação unilateral da morte pelo pecado, de modo que a morte cristã é distinta da morte simplesmente considerada pena pelo pecado; já não é final, mas passagem. Como o seu Senhor, o cristão morre para ressuscitar. No entanto, a morte continua sendo uma realidade que sempre assinala a existência, o ato supremo da história temporal do indivíduo. O cristão deve reproduzir na sua carne os mistérios da vida de Jesus, inclusive do ato mais decisivo de sua existência temporal: “Ou ignorais que todos nós, batizados para Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?” (Rm 6,3)

Portanto, aquele que é batizado já não vê na morte o angustioso fim do seu ser, ou o fracasso, mas a possibilidade última e mais radical de configuração com seu modelo e, assim, o ato que deve ser vivido com vontade de entrega livre e amorosa, na esperança da ressurreição; para o cristão, ela é a derradeira graça, o ápice da vida inaugurada no Batismo e celebrada em cada Eucaristia.


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