quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ADORO TE DEVOTE - Meditações Eucarísticas

Retomando depois de algum tempo as nossas reflexões sobre o precioso hino eucarístico: ADORO TE DEVOTE, iremos nos deter hoje na quinta estrofe do nosso hino, que nos mostra a dimensão da Eucaristia, enquanto presença da Encarnação e memorial da Páscoa.

O memoriale mortis Dómini
Panis vivus vitam praestans hómini
Praesta meae menti de te vivere,
Et te illi semper Dulce sapere.

Ó memorial da morte do Senhor
Pão vivo que dás vida ao homem
Faz meu pensamento viva sempre de ti
E que sempre lhe seja doce este saber.


SACRIFÍCIO E BANQUETE
Lembremo-nos que o hino começa com uma afirmação teológica sobre a Eucaristia, e em seguida vem uma resposta de fé. A afirmação teológica desta quinta estrofe nos remete para a visão eucarística de S. Paulo e de João. Vejam que para Paulo em sua teologia eucarística, ele apresenta a idéia de Sacrifício, enquanto memorial da paixão e morte do Senhor, “todas as vezes que comemos este pão e bebemos este sangue, anunciamos a morte do Senhor” (1Cor 11,26) ou ainda, “Cristo, nossa páscoa, foi imolado” (1Cor 5,7). A visão eucarística de João acentua o aspecto do banquete e, por conseguinte, a comunhão: “A minha carne é verdadeiro alimento e o meu sangue verdadeira bebida” (Jo 6,55). Como afirmamos no início, uma vertente explica a Eucaristia, a partir do mistério pascal; a outra explica a partir da Encarnação. E estas duas realidades estão intimamente unidas, e não podem ser de forma alguma separadas, como muitas teologias de nosso tempo e de tempos pretéritos quiseram fazer, ver só uma dimensão, sobretudo, a dimensão de banquete, como se a Eucaristia fosse uma refeição qualquer, somente para estar em evidência, à comunhão na partilha sem divisão de classes, um encontro fraterno ao redor da mesa, isto é um pensar débil, medíocre, mesquinho; a Eucaristia traz em si estas duas dimensões: sacrifício e banquete,  porque, se a Carne de Cristo dá vida ao mundo quando ele se entregou na ara cruenta da cruz, é porque o “Verbo se fez carne” (Jo 1,14).
Esta união não pode ser rompida, até porque na missa nós as encontramos de forma clara, ou melhor, elas apresentam a síntese da Missa, pois pela consagração das sagradas espécies o Senhor vai se oferecendo num sacrifício vivo, e deste modo o sacrifício se realiza, e depois, na comunhão quando nos é oferecido o alimento vivo descido do céu, qual pão da vida eterna, podemos ver explícita o aspecto do banquete, da comunhão.
Na Encarnação, o Verbo Eterno, pleno de vida, desce do céu, e assumiu a nossa carne, de modo que Ele é o Novo e definitivo Maná, que alimenta e sacia a nossa fome, não como alimento material, perecível, mas como alimento eterno, pois dando-se a nós, qual Pão Vivo e verdadeiro descido do céu, dá-nos a vida imortal, por isso que o dom que a Eucaristia nos concede é a Vida Eterna, e já ante gozamos esta vida, porque pelo alimento eucarístico nos unimos à Deus, no mistério da inabitação divina, nos tornamos concorpóreos a Cristo, “Como eu Vivo pelo Pai, assim quem se alimenta de mim viverá por mim” (Jo 6,58) nos tornamos cristóforos, ou seja, portadores de Cristo, “Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e eu nele” (Jo 6,56). É um admirável mistério poder nos unir a Cristo, o Corpo de Deus nos é dado para sermos santos, para vivermos longe do pecado, para exalarmos o bom odor da santidade em muitas vidas e muitos corações.
Visto, a Encarnação, com a dimensão de banquete, passemos para a visão de sacrifício, contemplando a Eucaristia como memorial pascal, onde o real cordeiro foi imolado. Na eucaristia, nos é concedida a graça de vivermos aquele santo e salvífico evento da paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na missa nós celebramos com fé o mesmíssimo sacrifício de Cristo na cruz, sua entrega dolorosa pela salvação do mundo, só que agora nós celebramos não de forma cruenta, mas incruenta. O drama da paixão se torna visível a nós, o Senhor se entrega, como cordeiro imolado, é trespassado pela lança, é pregado no madeiro e se consome de amor qual sacrifício de suave odor por meio do seu Espírito que é o fogo que consome este sacrifício, por isso que antes da consagração o sacerdote roga ao Pai que envia sobre as espécies do pão e do vinho o seu Espírito, para que ele pneumatifique, espiritue, os dons. Como na ressurreição o Espírito veio sobre o Filho e o vivificou, agora ele vem sobre o pão e o vinho, e os transubstancia no Corpo e Sangue de Cristo, dando-nos a Vida imortal, portanto, o Espírito não somente nos é dado pela Eucaristia, mas, sobretudo, é Ele quem nos dá a Eucaristia. Há, pois, uma unidade, somos incorporados no corpo do Ressuscitado, e assim nos oferecemos em sacrifício num único corpo: cabeça e membros.  
Eis, amados irmãos e irmãs as maravilhas que nos são concedidas na Eucaristia, podemos verdadeiramente saborear as doçuras do céu, nos unimos profundamente a Cristo devendo viver dele, ou seja, viver em vista dele, e é a isto que nos remete a resposta orante de nossa quinta estrofe do Adoro te devote, podemos entendê-la, a partir, do que Jesus disse no grande discurso do Pão da Vida: “aquele que comer de mim, viverá por mim” (Jo 6,57). Entendamos, o que se está dizendo aqui é que ao comungarmos o Corpo e Sangue de Jesus, nos tornarmos um com Ele, e a consequência vital para nós é que deveremos viver de Jesus e para Jesus; dizia-nos Sto. Agostinho: “Não serás tu que me assimilarás a ti, mas eu é que te assimilarei a mim”, somos chamados é seu Um com Cristo num só Espírito. É uma união que existe entre nós e Cristo, nossa alma é desposada pelo divino esposo, há como que um matrimônio espiritual, recebemos a carne incorruptível do Senhor, a sua divindade, a sua imortalidade, mas também o Senhor recebe a nossa carne, nossa humanidade. Santo Hilário diz: “Jesus assume a carne daquele que assume a sua”. Ele nos diz: ‘Tomai, isto é o meu corpo’, mas também podemos dizer a Ele: ‘Tomai, isto é o meu corpo’. Nos tornamos pequenos eucaristizados com o Grande Eucaristizado.
É um verdadeiro intercâmbio de amor entre o humano e o divino, deveremos, pois, viver segundo o que nos alimentamos, ter em nós os mesmos sentimentos de Cristo, tudo é dele e por ele; nesta maravilhosa troca, onde o humano e o divino se unem, vemos que na missa, damos a Cristo nossos esforços, dores, sofrimentos, decepções, angústias, lágrimas, nosso cansaço, derrotas, rasgamos nossos corações com nossas misérias, e vejam o que acontece, nós, mesmo que de forma indevida, sem merecermos, recebemos gratuitamente dele a sua justiça, a sua santidade, a sua história, nossa santificação e redenção. Somos recompensados por estes bens infinitos, e, Deus só espera de nós uma comovida gratidão, de forma sincera e piedosa; e isto implica em viver somente para Ele, em abraçar a Cruz, doar-se aos irmãos, lutar contra o pecado, viver um contínuo arrependimento de nossos pecados.
Se assim vivermos podemos como disse a cima, experimentaremos a doçura do céu, de forma mística e real, e é isso que pedimos a Deus no último verso de nosso canto Eucarístico: “et illi semper Dulce sapere”. Em verdade, na Eucaristia podemos provar a suavidade do amor, da alegria, da bondade, da mansidão, da ternura de Deus; podemos experimentar o doce céu, esta doçura vem a nós, em nossa alma, em nosso coração para suavizar as nossas dores e sofreres, mas também para podermos sentir já aqui na terra o rico banquete que Deus nos reservou no céu, esta doçura são os bens que o Senhor nos cumula e nos enche, nós que somos como mendigos eternamente sentados, ajoelhados diante da mesa do Rei Servidor que doa a sua vida para que tenhamos vida e vida em abundância. Quero terminar esta reflexão rezando a antífona do Magnificat das vésperas da Solenidade de Corpus Christi: “Como é suave ó Senhor, o vosso Espírito, para demostrar aos teus filhos a tua doçura, com um pão suavíssimo descido do céu, enches de bens os famintos, enquanto despedes de mãos vazias os ricos soberbos” .

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