quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ADORAMOS-TE Ó DEUS SACRAMENTADO - meditações eucarísticas

Como toda quinta-feira é um dia dedicado à adoração eucarística, decidi e como já venho fazendo expor algumas reflexões sobre o mistério eucarístico para acender em nós a chama do amor a Jesus vivo e presente no Santíssimo Sacramento do altar. Ao longo de algumas quintas-feiras quero fazer as meditações eucarísticas sobre o antiquíssimo hino eucarístico que desenvolveu e ajudou a enriquecer e despertar no coração e na vida de muitos fiéis o amor à Eucaristia, este hino é o “Adoro te devote” que em nossa língua nós cantamos em muitas adorações: “Deus de amor nós te adoramos”. É um hino que a princípio foi aplicado como composição de Sto. Tomás de Aquino, seria uma oração que o doutor angélico teria proferido na hora de sua morte, ao receber o viático, só que sem negar a sua genialidade teológica, mas as circunstâncias do momento será que levariam a improvisar um texto tão poético e teológico? Foi um texto que passou muitos séculos escondido e desconhecido, até que o Papa S. Pio V o tornou conhecido ao incluir entre as orações de preparação e ação de graças da Missa. Rezar com as riquíssimas palavras do Adoro te devote é se unir a uma multidão de vidas passadas que com seu amor entoaram do fundo de suas almas este piedoso hino ao mistério eucarístico. Para ajudar em nossas reflexões quero fazer uso das reflexões do livro: “Isto é o meu Corpo” do Frei Raniero Cantalamessa, pregador da casa pontifícia, neste livro ele reúne as meditações feitas no advento e na quaresma do ano eucarístico (2004-2005), foram as últimas meditações que Frei Raniero fez ao Beato papa João Paulo II, nos últimos dias de sua vida. Comecemos nossa meditação:

Antes de tudo deveremos compreender que o hino é composto por quatro versos, de modo que os dois primeiros são afirmações teológicas sobre o mistério eucarístico e os dois últimos é a resposta de fé do cristão ao sacro mistério. O hino começa assim:

Adoro te devote, latens Deitás
Te quae sub his formis vere latitas:
Tibi se cor meum totum subcit
Quia te contemplans totum déficit

Eu te adoro com afeto, Deus oculto
Que te escondes nestas aparências
A ti submete-se o meu coração por inteiro
E desfalece ao te contemplar


O primeiro verso do hino eucarístico se refere à forma da presença de Cristo nas espécies eucarísticas: Deus verdadeiramente presente, mas de forma escondida. Aqui volvemos o nosso coração para a essência mesma de Deus, o Deus absconditus (Is 45,15), ou seja, Deus se revela ao homem, mas ao mesmo tempo permanece escondido, porque é Transcendente, é infinito é o Todo-poderoso, Ele é Aquele que é, o EU SOU, Deus mesmo tendo se revelado, permanece o inacessível, vejamos algumas realidades: o véu na criação é dado nas coisas criadas, na Sagrada Escritura pelas palavras, na Encarnação pela humanidade de Cristo, na Eucaristia, Deus está velado pelas aparências do Pão e do Vinho, e no mistério eucarístico esta realidade escondida do próprio Deus se revela em todo o seu esplendor de verdade, é interessante notar que ao se encarnar o Verbo escondeu a sua divindade, no mistério da Eucaristia até mesmo sua humanidade está escondida, divindade e humanidade escondidas só nos resta contemplar o mistério do amor, da caridade como nos ensina S. Bernardo.  Veja, Deus se revela ao mundo como servo, humilde, simples, pobre. Lendo estes dias o livro Trindade Mistério de Comunhão, de Dom Ladaria, professor de teologia dogmática da Universidade Gregoriana em Roma, ao falar sobre o caráter quenótico da economia da salvação, ele dizia que a forma como Deus se revela é a forma servil, ou seja, de servo, é desta maneira que conhecemos Deus em nossa história, é o mistério da condescendência divina, ele sendo rico se fez pobre, para com a sua pobreza nos enriquecer. Então, o Deus onipotente todos os dias vêm a nós, é gerado nas mãos dos sacerdotes, se esconde sob os véus. Sob as aparências do pão e do vinho, ó mistério de suprema humildade!

A esta presença escondida de Cristo, somos chamados a responder com a atitude de adoração, afinal este Deus escondido é Deus e não um homem, e nós devemos ser simples adoradores, é como diz a canção: “Deus é Deus e eu devo ser um adorador”. A adoração, o louvor adorante é a melhor forma de se honrar a Deus, é uma profissão de fé verdadeira e profunda em Cristo Deus Verdadeiro e Homem Verdadeiro, já nos ensinava Sto. Agostinho: “Ninguém deve comer desta bendita carne, sem antes adorá-la”. A adoração é prestada sempre  e somente à Deus, é a Ele que se deve adorar, é o Único a quem todos os joelhos devem se dobrar é o culto de Latria dado somente à Deus.

A adoração se manifesta pelo reconhecimento de nossa pequenez, de nossa pobreza e o reconhecimento da majestade de Deus, é um lançar-se no oceano do mistério grandioso de Deus, é envolver-se em um amor contemplativo que nos impulsiona a entregar-se, a derramar-se diante de nosso Deus, é viver a experiência de Maria em Betânia que prostrada diante de Jesus, derramou as suas lágrimas a seus pés, é se colocar como o publicano que não tinha nem a coragem de erguer os olhos aos céus, por causa de sua miserabilidade. O ato de dobrar os joelhos diante de Jesus é reconhecer o nada que nós somos e o Tudo que Ele é; bem muito antes de nós nos reclinarmos a Ele, ele se reclinou para nós, na encarnação, no lava-pés, na Eucaristia ele vai ao nosso interior. Estar em adoração é falar para Jesus como se fala com um amigo, é partilhar as confidências do coração, é fazer a experiência de reclinar a cabeça sobre o peito, sobre o lado de Jesus, na sua chaga aberta por amor, é conhecer o seu interior, é ter a oportunidade de saber que se está sendo amado de uma forma pura e verdadeira.

A adoração deve ser expressa e é justamente este ponto que deve ser exaltado: o Silêncio. São Gregório de nazianzo já dizia que “a adoração é um hino de silêncio”. estar diante de Jesus é ter a oportunidade de escutar a sua voz a perpassar nosso coração, e a sua voz é recriadora, afinal, a palavra de Deus é viva e eficaz, ela penetra a nossa alma, nos esquadrinha; em meio a tantas vozes, a tanto barulho de um mundo efervescido pelas agitações, não somos educados a silenciar, ou podemos simplesmente usar a emblemática expressão do filósofo Blaise Pascal: “a miséria do homem é que ele não consegue silenciar”. E isto é verdade, muitas vezes nossas adorações são marcadas por muito barulho, muita agitação, já não se tem momentos nem mesmo breves de silêncio, só nós falamos, não deixamos espaço para que Deus fale em nós; o homem tem medo do silêncio, pois tem medo de encontrar-se coma verdade sobre si mesmo e tem medo de encontrar-se com o Deus que habita em seu interior. É preciso em adoração nos apresentarmos com atitude reverente e piedosa diante de deus que está em nosso meio e nos calarmos, tudo se cala em nós para escutarmos à voz do amado. A Deus, o nosso amado devemos entregar nosso coração, ou seja, é adorar a Deus com a totalidade de nossa existência, nosso ser todo diante dele, adorar e amar a Deus de todo o coração, de toda alma e com todas as nossas forças. O coração não é a sede do sentimento, mas das decisões e por isso a deus nós nos submetemos com a nossa vontade e nosso inteligência, com todo o nosso coração. A ponto de nossa alma poder descansar no amor de Deus, provar a suavidade deste amor, e contemplá-lo face a face.

Aqui adentra a contemplação que nasce da adoração, ou seja, é mergulhar no silêncio orante, é concentrar-se num isolamento interior, elevar o coração ao alto do coração de Deus, desligando-se de todo e qualquer objeto, é perder-se inteiramente diante de Jesus, é poder olhar para Jesus e ser olhado e amado de uma forma diferente, São dois olhares que se cruzam: eu olho para ele e olha para mim, não se trata de algo inerte, mas de algo que nos transforma; o ser humano reflete em sua vida muitas vezes aquilo que ele contempla, pensemos também, quando nós ficamos expostos ao sol por muito tempo, logo ficamos com suas marcas, da mesma forma ao nos colocarmos diante do Santíssimo sacramento por longo tempo em contemplação, o Senhor Jesus vai deixando as suas marcas em nós, e, por conseguinte, vamos assimilando seus sentimentos, seus pensamentos, sua história, a sua vida, ou seja, é abrir-se inteiramente a Ele e deixar com que a sua glória refulja em nossa existência.

Está diante de nós o Cordeiro Imolado é a Ele que nós corremos para curar as feridas do pecado que ferem nossa alma, recordemo-nos da serpente de bronze estendida no deserto, todos os que olhassem para ela, ficariam curados (Nm21,4-9), Jesus aplicou a si a imagem da serpente de bronze, “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também é necessário que seja levantado o Filho do Homem a fim de que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14). É isto que acontece ao contemplarmos o Senhor Elevado em nossos altares, somos curados e ele nos concede a vida eterna, a felicidade sem fim; se o pecado adentra em nós pelos olhos, curemos nosso olhar ao volvê-lo para Jesus, o Supremo Bem. Demos pois, a Deus todo o nosso tempo, deixemo-nos ser conduzidos pelo Espírito de Deus, para que recuperemos o tempo perdido muitas vezes ao longo de nossas jornadas.

Ó Mistério celestial, admirável sacramento da fé! O que buscamos distante, se faz tão perto, o eterno entra no tempo, levantemos nosso pobre olhar e contemplemos piedosamente, fixemos nossos olhos no ostensório, eis diante de nós a fonte inesgotável do amor, sob as espécies do pão e do vinho, Deus verdadeiro se esconde, ó sublime humildade de Deus para conosco, é o esplendor da beleza plena que contemplamos, nosso corpo e nossa alma estremecem e rendemos a ele a honra e a glória para sempre.  





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