terça-feira, 18 de outubro de 2011

A FACE DE UM DEUS CLEMENTE




"Levado pelo Espírito, escreveste tudo o que disse e fez o Bom Pastor, pois aos sermões de Cristo acrescentaste os seus gestos de amor" (Hino de laudes)



Estas palavras rezadas no hino de laudes de hoje, na festa de São Lucas Evangelista, nos fazem compreender qual a face Deus que o santo Evangelista quer mostrar: “Um Deus clemente e cheio de misericórdia.” Um Deus de amor e compaixão que caminha com seu povo, atua na história e nela escreve a sua história divina. É o Emanuel, o Deus-conosco.

Antes de tudo para que venhamos a entender qual é a face, o rosto de Deus revelado por S. Lucas, cumpre destacarmos um dos temas que o evangelista revela em seu escrito: a salvação. Ela aparece em seu evangelho como o grande dom oferecido por Deus em Jesus Cristo na força do Espírito Santo. Jesus, como o Messias, o esperado de todas as nações, aparece para saciar os anseios do povo, de judeus e gentios, ele lhes oferece a salvação plena e definitiva, Ele é o enviado de Deus Pai para o cumprimento da salvação prometida.

Se existe a salvação comunicada como dom para toda a humanidade, consequentemente, existe um salvador, e este como já delineamos é Jesus, podemos até falar em dois, Deus Pai e Jesus; o Pai, protagonista do caminho do Salvador, promete a salvação “toda a carne verá a salvação de Deus” (Lc 3,6), ele a preparou e a deu, enviando o seu Filho, o Unigênito, o se Bem-amado, que desceu do céu e assumiu a condição humana ao ser gerado no seio virginal de Maria santíssima,  eis a cumprimento da promessa: “Nasceu-vos hoje um Salvador” (Lc 2,11), mas será que seria um qualquer, um messias entre tantos outros, não, “o salvador era Cristo-Senhor” (Lc 2,11), o seu próprio nome revela sua identidade e sua missão: Jesus = “Deus Salva”, ou seja, ele é Deus e veio para salvar, e por isso é O Salvador.

Jesus é o salvador que trouxe a salvação por meio de seus atos, de suas palavras, de seus sinais, frutos da ação do Espírito Santo, pois, desde o início de sua missão pública, ele foi “guiado pelo Espírito” (Lc 4,14).

Na história humana Jesus aparece como o salvador dos homens, é interessante que Deus ao se revelar em seu Filho Jesus Cristo, ele se comunica a nós, usando a nossa linguagem, para que o entendamos melhor. Deus em Jesus vem ao homem para conduzir o homem a Ele, então em Jesus conhecemos quem ele é e quem deveremos ser, por conseguinte, deveremos sempre voltar a afirmação: “o mistério do homem se revela no mistério do Verbo encarnado.

S. Lucas revela uma face de Deus que muitas vezes não vemos, estamos marcados por uma visão de um Deus mal, vingativo que está a olhar para nós e com um caderninho nas mãos, anota os nossos erros para no juízo final nos punir. Deus não é um contabilista, ele não é um olheiro, Deus é Amor, é Misericórdia, ou seja, ele sabe que somos frágeis, limitados e pecadores, e porque sabe que não conseguimos  muitas vezes nos reerguer, ele carrega o nosso fardo, nossas misérias em seu divino coração, manso e humilde. Ele não nos trata como exigem as nossas faltas.

Como falamos, o nome de Jesus revela a sua identidade e a sua missão, pois bem, S. Lucas percebe que todo o ministério de Jesus, todos os seus passos vividos nos seus dias em nossa carne traziam a marca da clemência, da misericórdia e da compaixão. Deus se revela na história do povo de Israel, na história dos pagãos e na nossa história como Misericórdia e Compaixão sem fim para aqueles que vivem sedentos no início do seu ministério, Jesus aponta para quem ele veio salvar, diz-nos o texto sagrado:  “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres, para proclamar os a libertação dos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Jesus se revela como um Deus que quer carregar as misérias destes que lhe foram entregues, atenção! Todos eles eram um nada, um lixo para a sociedade da época, é para estes que Deus vem, é a eles que Deus quer salvar, eis o Deus Misericordioso e clemente. Eis o Deus Vivo e verdadeiro!

A face clemente e misericordiosa de Deus se revela no seu encontro com muitas pessoas que viviam rejeitadas, eram encontros transformadores, deveras, performativos, transformavam a pessoa num todo, encontros daqueles que fazem uma reviravolta na própria vida. Recordemos alguns desses encontros de Jesus, seus gestos e palavras tão cheias de misericórdia.

Primeiro é importante dizer que a Salvação dada pelo mundo não cobre todas as necessidades da vida humana, a de Jesus é total, cobre por inteiro as necessidades dos homens, e repito, chega a todos. Podemos afirmar na  esteira de S. Lucas que a salvação dada por Jesus é Universal e possui privilegiados. Ei-los: os pecadores.

A misericórdia de Deus é manifestada em primeiro plano aos pecadores, o evangelista Lucas aponta para isso ao nos mostrar que Jesus é apresentado como filho de Adão, irmão de toda a humanidade pecadora (Lc 3, 23-28). Os marginalizados, ou seja, os pecadores, as mulheres e os samaritanos são os destinatários privilegiados da salvação. Os pecadores públicos eram rejeitados totalmente pelo povo da época, com Jesus tudo é diferente, para com eles Jesus se revela como cheio de compaixão, “ Jesus entrou na casa do fariseu e reclinou-se à  mesa, apareceu uma mulher da cidade, uma pecadora... aos pés dele ela chorava, e enxugava-os com os cabelos e ungia-os com perfume... voltou-se para a mulher e disse: teus pecados estão perdoados” (Lc 7, 36-50). Depois vemos o encontro com Zaqueu, ele foi à casa daquele pecador comunicar-lhe a salvação (Lc 19,1-10).  Jesus come com os pecadores, senta à mesa com eles (Lc 5,29-31). Esta ação de Jesus é sinal de que Deus que a volta do pecado aos seus átrios, quer que ele se converta, pois ele o ama.

Deus que vai ao encontro dos pobres de Deus, primeiro, Maria, a serva bendita e imaculada, é Deus que em sua misericórdia olha para Isabel e Zacarias, realiza o que era impossível aos olhos humanos.

Jesus revela a sua misericórdia ao curar um endemoninhado (Lc  4,31s), cura um leproso (Lc 5,12-15), um paralítico (Lc 5, 17,26), cura um homem da mão atrofiada (Lc 6, 6-11), cura o servo do centurião (Lc 7,1-10, cura o filho da viúva de naim (Lc 7,11-17), cura o endemoninhado geraseno (Lc 8,26-38), é extraordinário a cura que Jesus faz da hemorroísa e a Filha de Jairo (Lc 8, 40-56), Jesus olha a dor da multidão faminta e a alimenta com a multiplicação dos pães (Lc 9, 10-17), cura o endemoninhado epilético (Lc 9, 37-43). Jesus cura também uma mulher encurvada (Lc 13, 10-17), e um hidrópico (Lc 14, 1-6), cura os dez leprosos (Lc 17,11-19), cura o cego na entrada de Jericó (Lc 18,35-43).

A misericórdia de Deus ainda se revela no acolhimento que ele faz das mulheres (Lc 8, 1-3).  Nas suas palavras de ternura e compaixão para com o bom ladrão (Lc 23,43), no perdão dado aos algozes na ara da cruz (Lc 23,34); no olhar profundo sobre Pedro (Lc 22,61). Enfim, a face misericordiosa de Deus é bem expressa nas três parábolas da misericórdia: a da ovelha perdida (Lc 15, 4-7), a da dracma perdida (Lc 15,8-10) e a grande parábola do Pai misericordioso (Lc 15, 11-32). Nesta parábola, vemos de fato como é a nossa relação com Deus e o seu amor para conosco, quando o rejeitamos, o matamos dentro de nós, quando abandonamos o seu regaço, vamos para as terras longínquas do pecado, longe da presença de Deus, vivemos e cometemos a infidelidade para com Deus, só nos resta comer as bolotas da podridão, a lavagem da vida azeda e do mundo fugaz em que vivemos, quando vemos que não temos como viver sem Deus e longe de Deus, decidimos voltar ao regaço de amor, mas não nos consideramos como filhos de Deus, começamos a trilhar o caminho rumo à casa paterna, imaginamos que Deus irá nos rejeitar, mas já nos dizia Sto. Agostinho: “para Deus não importa nem tanto o que fizemos, mas o desejo de voltar e de recomeçar uma vida nova nele”. Ao retorno do Filho o Pai corre ao encontro do Filho e o acolhe com um abraço cheio de misericórdia e amor, dá-lhe o traje da vida nova, da filiação nova e prepara um rico banquete de comunhão e de vida.

Amados irmãos e irmãs é este o Deus revelado por São Lucas em seu evangelho, um Deus cheio de misericórdia, de ternura e compaixão, é esse o Deus Vivo e verdadeiro, é esse o Deus dos cristãos. A ele a honra e a glória, pelo séculos dos séculos.




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