sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A BELEZA DO LIVRO DO APOCALIPSE

Falar sobre o livro do Apocalipse deve nos fazer romper algumas barreiras, sobretudo, aquelas que vêem o livro a partir de uma visão sombria, catastrófica de destruição e de fim, como se o livro fosse um caminho ao abismo, ao fosso da escuridão, uma mistura de dois movimentos: o medo do fim e a expectativa do novo início. Todavia, percebemos que o Apocalipse nos permite entrar como luz na escuridão, é uma claridade na noite dos mistérios divinos e insondáveis, é a possibilidade de retirar o véu, de permitir que algo seja revelado, daí o nome do livro: Apocalipse, do grego Apokaliptein, ou seja, Revelação.
O nome do livro deriva antes de tudo de um gênero literário tardio, veterotestamentário nascido no profetismo, no contexto de crise na história do povo de Deus que tendo enfrentado a dor do exílio, da escravidão, longe da terra, longe de seu Deus, muitas vezes era instigado a adorar deuses falsos, o povo vivia oprimido. Então, os profetas surgem como porta-vozes de Deus com uma mensagem de esperança futura, de um Messias libertador que viria livrar o povo da dominação estrangeira. O profeta recebia visões de Deus e as revelava ao povo, as transmitia oralmente. A apocalíptica surge como modo de falar de coisas escatológicas, mas que se dariam no hoje da vida do povo, o profeta ia como que tirando o véu do mistério para que o povo pudesse experimentar o que estava reservado para o fim. Isto nos permite afirmar que a apocalíptica é de certa forma filha da profecia. Dito isto, se vê o apocalipse como a única obra apocalíptica do Novo Testamento.
Por conseguinte, veremos o apocalipse neotestamentário como um olhar sobre a História como lugar da manifestação de Deus ao seu povo, faremos uma Teologia da História marcada por um início, por um evento e por uma consumação. É a Revelação de Deus no curso da história, é a revelação que Deus fez aos homens das coisas ocultas, das coisas futuras. Mas voltaremos a isso mais a frente.
No que se refere à autoria do livro, o apocalipse é o único livro do NT em que se tem um autor denominado: João, e isto é dito por quatro vezes (Ap 1,1.4.9; 21,2; 22,8). Mas que João é este?  De início a tradição cristã do séc. II com São Justino, Irineu. Orígenes se afirmou que o autor seria o João apóstolo, o qual seria também o autor do quarto evangelho. Entretanto, no séc III o presbítero romano Gaio e Dionísio, bispo de Alexandria chegaram a identificar a autoria do apocalipse como sendo de herege chamado Cerinto que foi o fundador de uma seita chamada ebionitas, “os pobres de Cristo”. Como também se pensou em outro João distinto do apóstolo. Eusébio de Cesaréia seguindo o testemunho de Papias falou de um João “presbítero”. A problemática ainda permanece quem foi o autor do apocalipse: João Apóstolo ou João Presbítero? Este problema da autoria ficará um pouco mais claro quando falarmos sobre a data na qual o livro foi elaborado.
A datação do livro traz em si algumas oscilações, podemos partir da referência de Ap 1,9 onde João está preso na ilha de Patmos num contexto de perseguição. Primeiro há quem identifique entre 89-96 no reinado de Domiciano que desencadeou uma perseguição terrível aos cristãos por não quererem prestar culto ao imperador. Se seguirmos esta data seria demasiadamente tarde para João o que nos levaria a pensar numa escola joanina. Um segundo momento é identificar entre os anos 68-70 no reinado de Nero, um período marcado por perseguições contra os cristãos. Alguns ainda chegam a fazer referência á destruição de Jerusalém no ano 70 por parte dos romanos; todavia, deveremos situar o livro num período posterior ao ano 70.
Partindo das realidades que encontramos na datação é possível perceber aquele que escreve se encontra preso e escreve para cristãos que estão sendo perseguidos, e o seu intuito é justamente dar ânimo aos irmãos, robustecer a fé, dar esperança em meio aos tormentos e tribulações, num período difícil em que a Igreja nascente passava. (Ap.2,8-10; 6,9-11).
O vidente dará ao povo a “Revelação de Jesus Cristo” (Ap 1,1); esta mensagem se destinará as Igrejas da Ásia, mas também à Igreja universal, a Igreja de todos os tempos. No ínterim deste livro se entrelaçarão o Antigo e o Novo Testamento. O Livro fechado é o AT, toda a história veterotestamentário apontava para alguém, e este alguém é justamente “Aquele que está sentado no trono” (Ap 4,2).  O que estava escondido, fechado foi revelado. É ele que tem poder, e segura em suas mãos toda à história da salvação, só ele a abre para revelar o mistério escondido, é ele “O Leão da tribo de Judá, O Rebento de Davi, o que venceu, e por isto está de pé, o Cordeiro como que imolado” (Ap 5,5-6). Ao seu redor estão os vinte e quatro anciãos, sinal do antigo e do novo Israel que adoram o Cordeiro redivivo.
É justamente aqui que vemos revelada a beleza do Apocalipse, partiremos de uma Teologia da História. Se no AT os profetas, sobretudo, do exílio para revigorar a fé do povo anunciavam que Deus permanecia com o seu povo, guiando-o em sua história, agora no Apocalipse, o vidente como um profeta deve anunciar ao novo povo de Deus que Ele permanece com o seu povo por meio de Cristo, o Emanuel Deus-Conosco. Este novo povo, a Igreja, a esposa do cordeiro vive desta promessa de Deus: “Eis que estarei convosco todos os dias até a consumação dos tempos” (Mt 28,20).  
O objetivo do apocalipse é mostrar a providência de Deus que age na história, e a finalidade era deveras manter viva a esperança em Deus e lembrar aos irmãos na fé que quem detinha o poder da história não era o imperador, mas sim o próprio Deus, é  Ele “o Alfa e o Ômega, Aquele que é, Aquele que era e Aquele que vem, o Todo-Poderoso”. (Ap 1,8).
Ao povo perseguido podem ser aplicadas aquelas sábias e encorajadoras palavras de Cristo: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33). Outro dado interessante no livro é o freqüente uso do AT, sobretudo, do evento do êxodo, o povo que estava exilado, pela dor e opressão clamava por libertação, deveria até adorar os deuses pagãos, deuses falsos, estavam impedidos de celebrar a liturgia festiva em honra do seu Senhor e Deus, o povo chorava com saudades de Sião, da morada de Deus (Sl 137,1).
O novo povo de Deus também vivia o seu exílio, a sua opressão, as suas dores, os fiéis da província da Ásia sofriam os tormentos de serem pressionados a prestar culto ao imperador, os reis eram vistos como divindades, como um deus, se deveria oferecer sacrifícios diante da imagem do imperador, ele exigia para si o título de Kyrios, “O Senhor”, é claro que isto para os cristãos da época era uma blasfêmia, eles deveriam sustentar com ardor a fé no verdadeiro nome ao qual se deveria dar a glória, a honra e o poder, é a Cristo que eles prestam culto, Ele é o verdadeiro Deus, o Kyrios que domina toda a terra.  Por isso que foi o período de mártires que testemunharam com suas vidas a fé em Cristo, e estão debaixo do altar do sacrifício, pois também sacrificaram suas vidas, eles são “aqueles que tinham sido imolados por causa da Palavra de Deus” (Ap 6,9), são revestidos de Cristo, o Vencedor com a “veste branca” (Ap 6,11).
A Roma pagã sofrerá o destino da antiga Babilônia, o Grande Dia se aproxima, eis que virão pragas sobre os opressores, o novo povo de Deus será liberto da opressão, “a Realeza do mundo passou agora para Nosso Senhor Jesus Cristo e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11,15), a besta, o falso profeta e o dragão foram vencidos, agora o povo foi liberto e pode cantar o Cântico de Libertação do Novo Moisés, o Cordeiro: “grandes e maravilhosas são as tuas obras, ó Senhor e Nosso Deus, Todo-Poderoso” (Ap 15,3).
O povo, “a grande multidão” (Ap 19,1) caminha para a Sião definitiva, para a Jerusalém Celeste, a cidade santa, o novo céu, a esposa do cordeiro, lá toda a multidão dos eleitos pode celebrar a grande festa dos tabernáculos, eis a nova “tenda de Deus com os homens... as coisas antigas se foram, eis que foram feitas novas todas as coisas” (Ap 21, 3.4.5), o templo não é mais um lugar mas é o próprio Senhor, a ele em todos os tempos todos podem acorrer, pois dele brota um rio de água viva, e para todo o sempre podem clamar: Maranathá! Vem Senhor Jesus! (Ap 22,20)
  

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