segunda-feira, 19 de setembro de 2011

III - A RELAÇÃO DE AMOR ENTRE PASTOR E COMUNIDADE

Quão belo para a vida da Igreja de Deus quando um sacerdote, filho seu, se oferece em sacrifício, torna santo, sagrado, o destino de muitas vidas, ofertando-as a Deus, inclusive a sua, pois, ele mesmo é ovelha do rebanho de Cristo. É bom quando uma comunidade vê no seu padre, um homem de Deus, um consagrado de Deus, escolhido por Deus para ser sinal Dele na vida de muitos.
O sacerdote deve ser escada, ponte, sinal de Deus. Que belo ouvir da verdade do coração de uma ovelha dizer: “meu padre é um homem de Deus” ou “O meu padre me leva a Deus”. É assim mesmo, em todo tempo, no amanhã e no hoje o padre deve viver a sua época, mas a sua fisionomia é a mesma, assemelhar-se a Cristo. É assim mesmo que o sacerdote deve ser e viver, como um homem de Deus; é aquilo que Santa Catarina de Sena dizia: “O Sacerdote é o doce Cristo a face da terra”. Homem de Deus, porque o Eterno deixou nele, em suas mãos ungidas e em toda a sua existência, as suas marcas, as suas chagas de amor, pois a ordenação sacerdotal configura-o, a Cristo.
O sacerdote deve ser uma ponte entre Deus e os homens e os homens e Deus, num intercâmbio de amor, onde o divino adentra na história e o humano experimenta a eternidade trazida no tempo da história pelas mãos admiráveis do sacerdote, por seus gestos, ações e palavras.
É impossível ao ver a estreiteza da relação  de um sacerdote com sua comunidade não percebemos que aí existe uma relação de amor oblativo, onde um se dá ao outro sem reservas. É o tempo que matura e estreita essas relações, a ponto de a vida do sacerdote ser a vida da comunidade e a vida da comunidade a vida do sacerdote, é a relação que São Paulo explicita a carta aos Efésios entre Cristo (Esposo) e a Igreja (esposa) (Ef 5,21-32). Dar a vida pelo rebanho é isso, sentir o pulsar do rebanho, e, mais, respirar a vida do rebanho, um é condição sem a qual não se vive, e no centro disto está o amor a Cristo, porque, tudo é dele, por ele e para Ele.
Se um pastor é fiel, prudente, se entrega pelas suas ovelhas que ele viva toda a sua vida naquela comunidade, morra lá, cuidando com amor, sendo servo do rebanho, passando o tempo que for possível, 1, 2 ,6,10,20 anos. Ele compreendeu que como um operário da vinha do Senhor, lançou as sementes e elas cresceram e deram frutos para o jardim de Deus.
Agora sabemos que um dia,  cedo ou tarde, nas horas certas ou incertas, previsíveis e imprevisíveis, num momento apropriado ou não, ele poderá deixar a comunidade, o pastor precisará deixar o seu rebanho, para entregá-lo a outro pastor, tão diferente, tão cheio de sonhos e ideais, perfeito e imperfeito quanto ele, que está para sair, e essa realidade de deixar um rebanho é uma verdade na vida do sacerdote, pois, ele  não foi ordenado para um local específico, mas para a Igreja de Cristo que está espalhada nos quatro cantos do orbe, devendo servi-la a onde o Senhor mandar, é o estar sempre pronto a responder ao chamado de Deus em todo tempo e lugar.
Esta história de saída, mudança é sempre dura, triste, angustiante, ninguém quer experimentá-la, é verdade que o sacerdote ao pode se apegar a uma comunidade Mas como não experimentar este sentimento? Como não amar quem o ama por Cristo? Mas o sacerdote sabe que ele vive para Cristo, em todo o lugar que chegar é estrangeiro, pois a sua terra, o seu ar, a sua existência é de Outro, Cristo. E para a comunidade fica o mesmo sentimento que nem sempre é entendido, e isto se compreende, pois se tem uma carga de motivos para não querer perder o pastor. Quão triste, partido e vazio ficam os corações das ovelhas que se separam do seu pastor, em virtude de uma mudança, saída para cuidar de outro rebanho, redil, para apascentar novas ovelhas.
Quando se ama o pastor não se quer separar dele, é como uma parte da ovelha que está morrendo, pois uma parte dela está indo embora, já não estará tão perto, tão presente. Aí vem o choro, o silêncio gritante da saudade que estronda o coração das ovelhas, comprimindo a alma até as lágrimas de tristeza e saudade se lançarem até o solo da terra do redil tantas vezes percorrido pelos pés do pastor que como um mensageiro anunciou a paz, a Salvação ao rebanho. As ovelhas dizem: E agora, quem me levará pela mão? Quem me ensinará o Caminho da Vida? Quem me amparará, escutará, chorará e se alegrará comigo? O que será da comunidade agora? Como ficam os sonhos? Os Projetos?. Parece que tudo não tem mais sentido, não há ânimo, alegria, tudo se torna fraco, frágil como antes quando a missão do pastor foi iniciada; as ovelhas já não encontram mais forças para continuarem a jornada na aurora cotidiana da vida. Quantos frutos! Quantas alegrias! Quantas conquistas! Por que isso foi acontecer agora? Tantos pastores, tantas comunidades e isto só acontece na minha comunidade, tiram o meu pastor! Por que ele não passou mais tempo?.
Estes são os inúmeros questionamentos de corações doloridos, feridos e tristes pela perda muitas vezes iminente de um pastor, irmão, amigo, Pai.  Esta saudade, marcada pelo pequeno desespero não é do nada, mas se revela como esplendor da missão do sacerdote quando é cumprida com amor e dedicação. No seu Livro Dogma e Anúncio, o Cardeal Ratzinger já nas últimas páginas, fazendo um aceno a vida sacerdotal na sua relação com o pastoreio, cita uma frase do poeta Goethe que diz: “só o sacerdote tem a graça de participar de toda a vida dos seres humanos, desde do seu nascimento até a morte, isto pelos sacramentos”. Eis a verdade do sentir falta de um homem consagrado a Deus que o traz tão próximo da vida das ovelhas.
A Comunidade pensa que tudo chegou ao fim, mas é aí que Deus começa a reescrever um nova história, ou a dar continuidade a ela, fazendo-a tão bela quanto antes. Ele é Deus e não um homem, os seus pensamentos, ao são como os nossos pensamentos, vemos o superficial, Deus vê o profundo, nós vemos o temporal, Deus vê o eterno.
Na saída de um pastor que deixa o seu rebanho para guiar outro, se esconde e se revelam pelo menos duas realidades profundas em si mesmas, sinais da ação de Deus. A primeira se refere ao pastor; quando alguém é retirado do meio dos homens e constituído pastor, como foi dito alhures, ele como sacerdote já não pertence a si mesmo, mas a Cristo, entregou o rumo da própria vida a Outro, deixando-se guiar por Ele, ser levado a diversos e desconhecidos caminhos e lugares, é no dizer de papa Bento XVI: “viver a aventura da fé”. Como o sacerdote é o irmão mais velho, o ancião, ou seja, o Presbítero, podemos entender este deixar-se ser conduzido por outro, nas palavras de Jesus a Pedro: “quando eras jovem ias aonde querias, agora, quando te tornas velho, outro te toma pela mão e te leva aonde não queres ir” (Jo 21,18). Eis a vida e missão do sacerdote! É também, carregar  em si a vocação de Abraão: “Sai da tua terra, deixa a tua parentela e vai para uma terra desconhecida que o Senhor te dará” (Gn 12,1).  Ser sacerdote e pastor é ter deixado tudo, família, sonhos, trabalhos, posses e bens, para possuir uma família muito maior, uma descendência numerosa, ser o irmão mais Velho (presbítero), ser pai (padre), cuidar dos filhos e filhas de Deus, em todo tempo e em qualquer lugar. Deixar uma comunidade tão boa, amável, alegre, rica de dons e talentos, abandonar aquelas que outrora no tempo da vida, estiveram fracas, sem esperança, e ao encontrarem um pastor, fiel e bom, retomaram o caminho da Vida.

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