segunda-feira, 2 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - I

O CAMINHO DE JESUS PARA A CRUZ

(Sexta-Feira Santa)





1.      A Vida de Jesus se destina à Paixão



Antes de iniciarmos nosso estudo sobre a quenose do Filho na visão teológica de Hans Urs Von Balthasar, adentrando no Sacrum Tridum Mortis é mister, observar que toda a vida do Filho Eterno do Pai, desde toda a eternidade, estava destinada para viver àquela “Hora”, acenada de modo muito peculiar pelo evangelista João, esta hora indica o mistério de sua paixão redentora.

O mistério da quenose do Filho de Deus se inicia na Encarnação, o homem, criado à imagem e semelhança de Deus peca, desobedece ao seu criador, e tem esta sua imagem ferida, maculada pelo mal praticado, rompendo assim com o projeto do próprio Deus, tão bem expresso por São Paulo: o ser humano, “foi predestinado e escolhido em Cristo a ser Santo e irrepreensível”(Ef 1,4.5). Contudo, “A morte que veio ao mundo por causa do pecado dilacera em duas metades o ser humano”[1].

Entretanto, se é verdade que esta imagem precisa ser restaurada, é também verdade que o próprio homem, por si só não possui forças para restaurá-la; só Deus pode repará-la, mas não é ele que deve fazer, porém Deus se revela como amor quenótico, “Deus é a imutável, mutabilidade infinita do amor”[2], a solução é unir as duas partes: aquele que pode restaurar e aquele que deve restaurar a imagem. Vê-se a necessidade de um mediador teândrico (Deus e Homem), não qualquer mediador, mas só e unicamente aquele que é superior a todos os outros mediadores vistos na história salvífica, Jesus, o Filho de Deus.  

Ao Encarnar-se, O Filho de Deus, adentra no drama da história humana enfrentando toda miserabilidade que esta condição traz consigo, em virtude do pecado. O motivo da quenose redentora do Filho Eterno é revelado no “pro nobis” – “por nós”, pelos seres humanos ele se encarnou e por eles se entregou para ser crucificado. Este mistério inaudito é professado pela fé da Igreja no Credo Niceno-Constantinopolitano, quando no artigo sobre o Filho se reza: “por nós homens e para a nossa salvação, desceu do céu, e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria... também por nós foi crucificado, sob pôncio Pilatos”[3]. Nesta verdade de fé resplandece os dois mistérios da vida do Filho Jesus, a Encarnação e a Paixão.

Eis a situação do homem antes da Encarnação de Cristo, afundado no abismo do pecado, e, por conseguinte, da morte. Se pela falta de Adão, toda a humanidade ficou presa ao julgo da morte, será pelo Novo Adão, Cristo, que a humanidade retomará o caminho da vida, pois, “só por intermédio do segundo Adão a imagem pode ser restaurada, e o centro desta ação restauradora é necessariamente o ponto exato da ruptura: a morte”[4].  O Filho Eterno do Pai ao assumir a condição humana e mortal, já experimenta a própria realidade da morte, esta ação se revela como a primeira quenose experimentada por Jesus, era o prenúncio da cruz, a encarnação aconteceu em vista da redenção de todo o gênero humano por meio da cruz.

Para o Verbo Eterno de Deus, “tornar-se homem já significa, para Ele, num sentido muito velado, mas bastante real, rebaixamento, e na verdade, como dizem muitos, rebaixamento muito mais profundo do que o próprio caminho da cruz”[5]. Deus sendo Eterno, Onipotente, superior a tudo e a todos por sua natureza divina, agora, desce, se rebaixa e assume a condição mortal, ou seja, a natureza humana.

Von Balthasar nos faz entender ainda mais este mistério de Deus realizado na História humana, quando nos diz: “Assumir o homem significa precisamente: tomar sobre si seu destino concreto, juntamente com o sofrimento, a morte e o inferno na solidariedade com todos os homens”.[6] Daí se deve compreender que a cruz de Cristo não é só o madeiro, mas também a nossa ínfima condição que pelo pecado cravou e fez Jesus experimentar a morte; portanto, afirmar a encarnação é vislumbrar também a realidade da cruz. A humilhação iniciada com a encarnação se torna extrema com a cruz, de modo que toda a vida de Jesus será uma caminhada para esta “Hora”, à hora da paixão, à hora da Cruz, é o acontecimento para o qual converge a história de sua vida, e que dá sentido aos demais acontecimentos.

O Hino Cristológico da Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2, 6-11), será o pano de fundo para a compreensão do mistério da quenose do Filho. O Verbo pré-existente, Deus de Deus, não se agarrou a esta condição, mas em obediência ao seu Deus e Pai se humilhou, se esvaziou, assumindo a condição de morte, até sofrer o padecimento na cruz.

Cristo tem a sua vida direcionada para o dever de viver a Paixão, para “padecer muito” (Mc 10,45). Por isso adentraremos no Tridum Mortis, fazendo uma via-crucis, num itinerário para a Cruz, ela é o “centro e o termo dos caminhos de Deus”[7], o caminho pascal deverá ser percorrido com reverência, pelo silêncio das palavras numa teologia apofática[8], onde o próprio Deus se fará silêncio em sua morte, nos restando apenas à contemplação.



[1] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 6
[2] RIBEIRO, Clarita Sampaio Mesquita. Mysterium Paschale – A quenose de Deus segundo Von Balthasar. p. 21.
[3] DS 150.
[4] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 7.
[5] ibid. p. 14.
[6] ibid. p. 12.
[7] ibid. p.11.
[8] Teologia apofática ou Teologia negativa ( Apophatikós - Apophanai = “dizer não”). É uma teologia  que no discurso sobre Deus, vendo-o como o Inefável, o Inacessível, o Transcendente; percebe-se que, a inteligência humana com suas categorias, não consegue compreendê-lo e nem exprimi-lo, por conseguinte, se afirma de Deus, aquilo que Ele “não é”; as palavras vão sendo suprimidas e o espírito se eleva ao eterno com reverência, piedade, até o silêncio contemplativo.


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