quarta-feira, 11 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - X



A VOLTA AO PAI

(Domingo de Páscoa)





3. O despertar do Filho na noite da redenção



            No mistério da quenose redentora do Filho de Deus muito amado, revelada no Tridum Mortis até agora tendo refletido sobre dois dias (Sexta Feira santa e o Sábado Santo) vemos o seu descensus, a sua descida, num aniquilamento desmedido, Deus vai ao extremo da condição humana e mortal, todavia, agora no último dia do Tríduo Pascal (Domingo) vemos que este mistério de abaixamento, implica também um movimento de subida, de ascensão.

Reportemo-nos mais uma vez ao Hino Cristológico de Paulo na carta aos cristãos de Filipos que é o pano de fundo desta reflexão teológica, para assim compreendermos melhor este único movimento de abaixamento e exaltação do Filho de Deus, diz-nos Paulo: “Ele (Cristo)... abaixou-se, tornando-se obediente até a morte, à morte sobre uma cruz. Por isso Deus (Pai) soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de todo nome”(Fl 2,8-9).

            Desta forma, em obediência amorosa o Filho de Deus se aniquilou inteiramente na cruz, foi transpassado pela iniquidade da humanidade, carregou sobre seu corpo todo o pecado, tornou-se maldição, desprezado e abandonado por todos; se aniquilou ainda mais na ida à mansão dos mortos, foi posto na terra da escuridão, dos fracos, adormeceu no sono da morte, numa solidariedade total com os filhos de Adão. Porém, o que parecia fim e derrota, numa espécie de hiato silencioso pela morte do Filho, logo resplandeceu como sendo a vitória daquele que se fez vítima.

 A pergunta crucial que é feita perante o mistério do aniquilamento do Filho é: O que aconteceu depois da ida do Filho ao encontro dos mortos, depois do três dias de sepultura? A resposta é curta, mas de um rico significado, ei-la: “Deus o Ressuscitou”, ou seja, Deus Pai não deixou o seu Unigênito abandonado no Hades, na terra e na condição de morto com os mortos, não permitiu que o seu Filho conhecesse a corrupção, mas, despertou-o e arrancou-o do poder da morte, que era o último inimigo a ser vencido, de modo que, em sua morte Deus a aniquilou de uma vez por todas. Portanto, “a Ressurreição de Cristo é o grito com que Deus, após se haver contido e violentado por longo tempo, rompe finalmente seu silêncio”[1].

Por conseguinte, a Ressurreição de Jesus é o ponto principal do domingo de páscoa, é o que dá sentido aos acontecimentos anteriores da Cruz e da Sepultura, é a vitória daquele que possuindo a vida em si mesmo, derrotou a morte; tendo completado o terceiro dia de sua morte, Jesus, o Filho de Deus Ressuscitou como havia prometido, “eis que o Filho do Homem será entregue... eles o condenarão à morte... para ser escarnecido e crucificado. Mas ao terceiro dia ressuscitará”(Mt 20,18-19). Agora no terceiro dia, após seu aniquilamento, ele é elevado, sobe da mansão dos mortos como o primogênito dentre uma multidão de irmãos.

Na ressurreição do Filho como acontecimento histórico, mas que transcende a própria história, por ter um caráter divino, um fato interessante é que mais uma vez, Deus revela a sua ação redentora como manifestação de seu admirável poder em meio à noite, isto porque, “as grandes obras de Deus se realizam no silêncio”[2]; na noite se percebe o silêncio não só da terra, mas também o silêncio do próprio Deus.

Foi assim na criação, “as trevas cobriam a terra”(Gn 1,2), no êxodo, “no meio da noite o Senhor feriu todos os primogênitos na terra do Egito”(Ex 12,29), no Nascimento de seu Filho, “na mesma região haviam pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias da noite montavam guarda a seu rebanho. O anjo do Senhor apareceu-lhes... e disse-lhes: nasceu-vos hoje um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc 2,8.10.11); na cruz houve treva em toda a terra”(Mt 27,45). É na escuridão da mansão dos mortos, na tumba dos que jaziam há séculos, que uma luz brilha para os justos e pecadores, é a noite da redenção dos cativos, da nova criação, das núpcias do cordeiro redivivo, é o Sol da Justiça que agora brilha refulgente  sobre o cosmo, a noite como sinal do pecado, se transforma em Dia que não tem ocaso, o Filho é liberto da prisão dos mortais, é o seu êxodo, a sua volta para o seio do Pai.

 Podemos nos reportar a uma imagem que a Liturgia canta na solene vigília pascal: “ó Noite em que Jesus rompeu o inferno, ao ressurgir da morte vencedor: de que nos valeria ter nascido se não nos resgataste em seu amor?”[3]. Lembremo-nos, pois que este despertar salvífico do Filho unigênito de Deus se deu quando ainda estava escuro, assim os relatos evangélicos nos mostram: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro, e vê que a pedra fora retirada do sepulcro”(Jo 20,1).

Isto permite pensar seguindo os padres da Igreja que nenhum ser humano contemplou a Ressurreição somente à noite foi quem viu, assim canta a Liturgia da Mãe Igreja: “Só tu noite feliz soubeste a hora em que Cristo da morte ressurgia; por isso de ti foi escrito: A noite será luz para o meu dia”[4].

 Aqui se entra também numa questão importante: o túmulo vazio. É fato verdadeiro que ele não é prova da ressurreição, entretanto, o sepulcro se estivesse com o cadáver era a prova de que não houve ressurreição, pois o corpo estava lá sujeito à corrupção, e a corrupção era o que tornava definitiva a morte, o corpo começava a não existir mais, porém se o morto não mais estava lá é porque ele não conheceu a corrupção, deveras, Ele Ressuscitou.

 O Filho Jesus, divinamente sabia que seu Pai, não o abandonaria no sono da morte, nele se realizam as palavras do salmista que manifestam também o cumprimento da profecia escriturística: “pois não abandonarás minha vida no Sheol, nem deixarás que teu fiel (Filho), veja a cova”(Sl16,10); seguindo a tradição dos setenta (LXX), este texto pode ser traduzido também, desta forma: “não abandonarás a minha vida no sepulcro, nem deixarás que o teu santo veja a corrupção”.

É fato verdadeiro na tradição veterotestamentária do judaísmo que um corpo adentrava no estado de corrupção depois do terceiro dia, Jesus foi ressuscitado antes de começar a corrupção corporal,

a morte de Jesus leva ao túmulo, mas não à decomposição. Ele é a morte da morte, morte que está na palavra de Deus, e, por conseguinte, na relação com a vida, que retira da morte o poder de quando da destruição do corpo, desfazer o homem da terra”[5].  



Ele dormiu sim em sua carne, mas vigou na divindade que não podia em si mesma morrer, “eu durmo, mas meu coração vigia” (Ct 5,2), é o mistério da única pessoa de Cristo, homem e Deus, porque Ele era Deus e homem, ele podia morrer e viver, dormir e vigiar, sofrer a morte como homem e dar a vida como Deus. Cristo, “rompeu singularmente todo o universo do nosso viver e morrer, a fim de abrir-nos, certamente com esta ruptura, um novo caminho para a vida eterna”[6]. Em outras palavras, o Filho de Deus em sua paixão cruenta, se submeteu por nós ao sono da morte, porém, este seu sono se transformou na vigília de toda a humanidade, uma vez que, a morte de Cristo afastou de nós o sono da morte eterna, abrindo-nos o caminho para a vida eterna.

 Von Balthasar nos explica da seguinte maneira:



que um morto retorne à vida é um fato não de todo singular, no âmbito bíblico; não é isto, porém, o que deve ser expresso na ressurreição de Jesus, é sim a sua passagem para uma forma de existência que deixou a morte para trás, de uma vez por todas”.[7]





Neste despertar da morte pela ressurreição, o Filho é elevado à condição de Vivente, ele já não morre mais, a morte não tem poder algum sobre Ele, ele agora vive para Deus e para toda a eternidade, a morte foi devorada pela vida, esta ação fica expressa na entrega amorosa que ele fez de si, pois, o amor é mais forte que a morte, ou seja, foi no amor que o Filho se sujeitou ao poder da morte, e na força deste amor trinitário revelado no próprio Deus, a morte é derrotada pelo Pai que não deixou seu Filho conhecer a corrupção.

 Por isso, ele agora é o Ressuscitado, aquele que foi despertado, elevado da tumba dos mortos, e, por conseguinte, o Pai devolve ao seu Filho até então morto, a condição que ele deixou disponível em suas mãos para a redenção de toda a humanidade, o fato inaudito é que Ele continua sendo homem, mas agora possui uma humanidade gloriosa, portanto, a natureza humana adentrou na natureza de Deus.

Em outras palavras, Jesus possui uma humanidade gloriosa, aqui se deve evitar o pensamento de que Jesus agora como Ressuscitado apareça como um homem que foi divinizado, não, Jesus não é um homem que foi divinizado, até porque Jesus é uma pessoa divina, ele é Deus de Deus, ao assumir a condição humana ele não deixou de forma nenhuma de ser quem ele era, é o contrário, Ele assumiu aquilo que não era, ou seja, a condição humana, se fez homem para que o homem se fizesse Deus, e recuperasse a sua condição existencial na qual foi criado.

Portanto, se conclui que “a Ressurreição de Jesus foi a evasão para um gênero de vida totalmente novo.... uma vida que inaugurou uma nova dimensão de ser homem”[8]. Na Ressurreição de Jesus qual Novo Adão, se dá a verdadeira passagem do homem velho para o homem novo, se por Adão todos foram encerrados na morte, agora pelo Novo Adão todos recebem a Vida, aquela imagem do homem que fora dilacerada em duas partes pelo pecado, e que necessitava ser restaurada e conduzida ao estado inicial, é agora recriada pelo dom do Filho Ressuscitado.

Jesus como O Ressuscitado, é o arquétipo e ao mesmo tempo a síntese de toda a humanidade, se até a páscoa ele foi solidário com a humanidade, porque se fez pecado, agora na Ressurreição ele ingressa na condição definitiva e que é a verdadeira condição do homem. Com a sua Ressurreição ele revela o destino de toda a humanidade, ou seja, a comunhão com Deus, “Jesus não entra na vida definitiva a título individual, e sim como primogênito”[9]. Então, todos os homens foram predestinados a serem conforme a imagem do Filho Unigênito de Deus, sendo ele o primogênito dentre uma multidão de irmãos, é nele que todos são recriados.

Veremos a seguir que a Ressurreição do Filho Jesus é um acontecimento trinitário, é a Trindade toda que se manifesta nesta condição totalmente nova que o Filho se encontra, vale a pena recordar o que estamos afirmando desde o início de nossa reflexão: “é na páscoa que a Trindade se revela”, assim como ela agiu na criação, também na nova criação ela manifesta todo o seu poder.



[1] CANTALAMESSA, Raniero. Contemplando a Trindade. p. 93.
[2] FERLAY, Philippe. Jesus Nossa Páscoa, teologia do mistério pascal. p. 102.
[3] Missal Romano. Trecho do Precônio Pascal na noite santa da vigília de páscoa. p. 275.
[4] ibid. p. 276.
[5] RATZINGER, Joseph. O Caminho pascal. p. 106.
[6] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 131
[7] ibid. p. 131.
[8] RATZINGER, Joseph ( BENTO XVI). Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 199.
[9] FERLAY, Philippe. Jesus Nossa Páscoa, teologia do mistério pascal. p. 114.

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