sábado, 14 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - XII

3.2. Relação crucificado e ressuscitado



            No drama do mistério pascal surge a pergunta: Quem é este Homem Novo que aparece na madrugada do domingo de páscoa? Encontramos a resposta para esta pergunta enigmática quando nos reportamos mais uma vez ao ponto inicial do mistério da páscoa, ou seja, à Cruz erguida no gólgota, porque não é possível falar de ressurreição sem uni-la à cruz, anunciar a Ressurreição de Jesus é anunciar a ressurreição daquele que foi crucificado, pois o crucificado da sexta é o ressuscitado do domingo.

Portanto, este Homem Novo que agora aparece aos olhos da humanidade é Jesus de Nazaré aquele que foi crucificado; vejamos que no próprio momento no qual as mulheres na manhã do domingo chegam ao túmulo para ungir com aromas o corpo de Jesus morto, e o encontram aberto e vazio, logo ficam espantadas, e de repente o anjo anuncia: “procurais Jesus de Nazaré, o Crucificado. Ressuscitou, não está aqui”(Mc 16,6). Esta resposta evidencia que o crucificado e o ressuscitado são a mesma pessoa, ou seja, Jesus.

            Outro elemento pertinente na unidade da mesma pessoa (crucificado/ressuscitado) é a sua condição corporal, primeiro se deve apontar para o fato de que nas suas aparições aos onze discípulos, a Maria Madalena e aos discípulos de Emaús, eles não o reconhecerem (Jo 21,4; 20,14; Lc 24,16), certamente se poderia pensar que não era Jesus, mas um desconhecido. Todavia, é o Senhor mesmo, ele aparece como Homem entre os homens, não é um fantasma, mas um ser corpóreo, possuidor de carne e ossos, a ponto de fazer refeição com os seus (Jo 21,1-14).

O problema de não reconhecê-lo em um primeiro momento, é que ele agora possui uma existência nova, é bem verdade que ele possui uma corporeidade, entretanto, ela não está presa às leis espaço-temporais, a tal ponto dele ser capaz de entrar em ambientes estando às portas fechadas, aparecer subitamente no meio dos seus e também desaparecer subitamente como no caminho de Emaús (Lc 24,13-35;  24,36, Jo 20,19). Esta realidade existencial nova que Jesus agora possui, não como um morto que retornou à vida, pode ser entendida a partir do termo no qual é utilizado para expressar as suas aparições.

Observemos que a palavra grega utilizada para falar das aparições de Jesus é ofqh (ophthe), o sentido aqui é de que ele deixou-se ver, ou melhor, Fez-se ver, indicando que não é qualquer um que pode compreendê-lo, ou vê-lo simplesmente, não se precisa da fé e é o Senhor mesmo que permite ser visto; uma vez que ele não pertence mais a esta esfera de nossa realidade, capaz de ser reconhecido pelos sentidos, depois de sua Ressurreição ele pertence à esfera de Deus, só pode vê-lo quem ele concede.

O que aconteceu então? Vejamos, “Jesus é verdadeiramente homem: como homem, ele sofreu e morreu; agora vive de modo novo na dimensão do Deus vivo; aparece como verdadeiro homem, mas a partir de Deus; e Ele mesmo é Deus”[1].  Ele não voltou à existência de antes sujeita à morte, pelo contrário, ele agora vive a vida de comunhão com Deus, a vida imortal e eterna.

Agora, embora ele seja O Novo pela condição existencial que possui, continuamos afirmando que Ele é o mesmo, porque, quando aparece aos seus como Ressuscitado, o seu corpo traz as marcas da paixão, de seu aniquilamento de amor, vemos o seu coração transpassado pela lança, qual porta aberta para contemplar o mistério de Deus, vemos suas mãos e seus pés trazendo as chagas, as feridas dos pregos, isto fica claro em sua aparição a Tomé, quando o discípulo não somente pode ver e crer no Ressuscitado, mas também tocar as chagas de sua paixão, crendo que é verdadeiramente o seu Mestre que morreu e agora está vivo (Jo 20,24ss).

Portanto, não é possível separar estas duas realidades na única pessoa de Cristo, ele é o crucificado e o ressuscitado. Para que compreendamos ainda melhor esta verdade de nossa fé na única pessoa de Cristo, podemos tomar parte do ensinamento de Santo Hilário de Poitiers que afirmava:



 Jesus Cristo, assim como nasceu, padeceu, morreu e foi sepultado, também ressuscitou. Não pode, nesta diversidade de mistérios, ser dividido em si mesmo, a ponto de não ser Cristo, pois não há outro Cristo, a não ser o que existia na forma de Deus e assumiu a forma de servo. O que morreu, foi o mesmo que nasceu. Não foi um o que morreu e outro o que ressuscitou.[2]





 No Filho Ressuscitado, vemos o coroamento de sua missão, ele a cumpre em amorosa obediência à vontade do Pai, também é possível perceber seguindo a linha teológica do Evangelista João que a glória exultante do Cristo ressurreto é iniciada na cruz, ou melhor, ela já é a sua glória, sua exaltação; Von Balthasar faz a seguinte afirmação: “a exaltação na cruz e na ressurreição: ambas constituem apenas aspectos de um único ato de ir, de subir para o Pai, achando-se aí intimamente conexas”[3].

É bem verdade que desde a sua geração o Filho de Deus é revestido de glória, mas também é verdade que desde o início de sua vida terrestre ele já manifestava esta glória, basta que nos reportemos ao Milagre das bodas de Caná (Jo 2,11) lá ele manifestou a sua glória e todos os que o circundavam creram nele, todavia, o ponto culminante é naquela Hora para a qual Ele veio ao mundo, ou seja, no momento crucial de sua paixão, do amor que é levado ao extremo por meio de seu aniquilamento, todo o esplendor de graça e verdade se revela na elevação do Filho de Deus no patíbulo da cruz, lá se pode contemplar o amor pleno que Deus tem pelo mundo, é lá que refulge todo brilho, de modo que a Ressurreição outra coisa não é senão a glória que reluz da cruz.

Por isso que já na ara da cruz o Filho de Deus “como crucificado, ele pode reivindicar o famoso ‘Eu Sou’ do Senhor. ‘quando tiverdes levantado o Filho do homem, conhecereis que Eu Sou (Jo 8,28)”[4]. A isto se liga o Nome que lhe é concedido pelo Pai em virtude de sua Ressurreição como glorificação pela missão cumprida em um total amor salvífico pela humanidade, a resposta ao seu aniquilamento.

 E que nome é este? É o Nome dado somente ao Eu Sou, ou seja, a Deus, usado pelos hebreus para traduzir o tetragrama sagrado YHWH, Jesus agora é o Kyrios, o Senhor, “Deus o constituiu Senhor e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes” (At 2,36). Aqui nós percebemos este movimento de ascensão vivido pelo Filho, ele porque se rebaixou numa quenose profunda, agora é elevado à dignidade de Senhor do universo. No ponto seguinte explicitaremos mais esta elevação do Ressuscitado revelado como o Rei soberano de toda a terra.



[1] RATZINGER, Joseph ( BENTO XVI). Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. p. 218.
[2] SANTO HILÁRIO DE POITIERS. Tratado sobre a Santissíma Trindade. Liv X, 22.
[3] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 136.
[4] BONY, Paul. A Ressurreição de Jesus. p. 145.

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