sábado, 7 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - IX

2.3- A Salvação do Abismo da morte



A salvação concedida aos que jazem na morte é antes de tudo um acontecimento trinitário, pois é na páscoa que o Deus Uno e Trino se revela, “o centro da economia da salvação, o lugar sempre vivo da concessão do amor trinitário aos homens, é o mistério pascal... o lugar da fé trinitária”[1]. 

A manifestação trinitária no Sábado Santo como dia da salvação levada ao abismo da morte pode ser contemplada, primeiro na missão do Filho, como o enviado do Pai para restaurar o gênero humano, desta forma, Ele é posto pelo Pai no Hades/Sheol na conditio mortis, numa atitude de obediência amorosa. É a vontade do Filho de se entregar e a vontade paterna de entregar num indizível mistério de amor que revela verdadeiramente o próprio ser de Deus: Ele é amor. Assim, o Filho “percorre” o caos da morte, as trevas do anti divino, mas impulsionado pelo seu amor ao Pai. Feitas as observações sobre a manifestação trinitária no sábado santo, nos debruçaremos sobre esta ida de Jesus aos infernos com o anúncio da Boa-Nova aos mortos.

 Há uma dupla significação no que diz respeito à ida de Jesus ao encontro dos mortos. Primeiro é a solidariedade para com os que jazem em seus túmulos, e em segundo, a proclamação da redenção reconciliadora entre Deus e a Humanidade. Sobre o aspecto da solidariedade com os que morreram, já delineamos alguns traços quando falamos sobre o Sábado Santo como dia da morte de Deus e dia do grande silêncio; deveremos agora abordar a proclamação da Boa-Nova, como manifestação da ação salvífica de Deus aos homens.

A teologia do descensus como manifestação da quenose do Filho mostra-nos aonde Deus chega para apanhar a ovelha perdida, Ele que é o Amor se doa inteiramente, é posto na condição de morto, num aniquilamento total, experimenta a extrema solidão; nesta ação de Deus uma verdade deve ser dita: Cristo Morreu por nós numa oferta sacrifical de amor, entrega vicária para a expiação dos pecados da humanidade. Todavia, este mesmo Amor é pregado aos mortos, é partilhado com eles: “foi pregar aos espíritos em prisão”(1Pd 3,19), não devemos entender aqui como se Jesus estivesse realizando uma prédica, não se trata disso, até porque é preciso sempre lembrar que no Sheol, não se tem nenhuma atividade por parte do Filho, ele está mudo, sem forças, impotente; se está referindo à presença da própria Graça Salvífica de Deus na região dos mortos, ou seja, a graça é Deus mesmo, Jesus é a graça salvífica de Deus dada aos homens.

Mas, qual o conteúdo desta “pregação”? No texto da Escritura fala-se do anúncio da Boa-Nova, “eis por que a Boa-Nova foi pregada também aos mortos”(1Pd 4,6), ou seja, a Boa-Nova, não se trata de um conjunto de ideias, mas ela é uma pessoa, o próprio Filho Jesus, por conseguinte, sua morte como manifestação da redenção do gênero humano, é revelação da Boa-Nova como esperança para os mortais, é o anúncio da Salvação para os que estão mortos, pois, o que “a doutrina sobre a pregação de Cristo quer exprimir é o seguinte: ‘o justo morreu pelos injustos’ (1Pd 3,18); sua morte expiatória conquistou a salvação também para aqueles que se haviam perdido sem esperança”[2].

Procuremos entender melhor: o dom da redenção salvífica dado por Jesus ao longo de sua vida, em suas palavras, obras e sinais, e, sobretudo, manifesto na glória da cruz aos que estavam vivos, deveria ser também comunicado aos que estavam mortos, até mesmo aos que são anteriores a Ele, “a instância salvadora da Cruz não valia só para os vivos, mas incluía em si todos os mortos antes e depois dela”[3], a todos os que não receberam o anúncio do Evangelho como Boa-Nova de salvação.  Portanto,



as pessoas do antigo testamento não foram evangelizadas, não tinham, em vida, encontrado Cristo. Tinham morrido “sem ter obtido as promessas, mas depois de as ter percebido e saudado de longe... Pois Deus que reservava para nós uma melhor sorte, não quis que eles chegassem sem nós à perfeição” (Hb 11,13-40)[4]



A salvação comunicada na ida de Jesus ao encontro dos mortos é também libertação das cadeias da morte, enquanto, ela aprisiona o homem nas profundezas de um estado de solidão extrema, onde não se experimenta nenhuma comunicação vital, mergulhado no reino das trevas, volta-se mais uma vez ao caos, àquela desordem do início da criação; quando o homem já não podia alcançar mais a Deus, pois Deus, o Salvador lhe estava inacessível, Deus desce e encontra o homem, sua criatura, encontra-o justamente em sua morte, retomemos mais uma vez a afirmação de que Deus encontra o homem numa realidade na qual ele está sozinho.

A Realidade da morte como meio do encontro entre Deus e a criatura é importante, pois ela é o ponto exato de onde surge uma realidade nova, por conseguinte, “Jesus atravessou a porta de nossa solidão extrema quando na sua paixão, afundou no abismo de nossa sensação de abandono. Onde já não se faz ouvir nenhuma voz, lá está ele”.[5] Com a presença do Filho de Deus aniquilado no inferno, se pode até pensar que a morte triunfou, que o mal reina vitorioso, pois certamente ninguém estaria no mundo ínfero e viveria ou seria capaz de sair de lá vencedor; todavia, acontece o contrário, a morte foi derrotada, já não existe mais, ela já não tem nenhum poder, foi aniquilada para sempre, pois, “o amor é mais forte do que a morte” (Ct 8,6), a morte foi vencida pelo Amor (Deus), a Vida que agora mora em seu meio.

As portas do Sheol estão abertas, os grilhões da escravidão, do exílio da morte foram rompidos, esta é a realidade nova, a morte foi vencida pela própria morte, não existe mais sentido em se falar de prisão, por isso nos diz Von Balthasar: “penetrando até as últimas camadas do inferno, Ele transformou em caminho aquilo que era prisão”[6]

Nesta atitude quenótica de Jesus em sua morte como ida aos infernos, uma porta se abre, e Ele mesmo é esta porta, aquele que é também a Luz, na qual se apagou por um instante ao se esvaziar de sua condição divina, mas a Luz ao penetrar na escuridão dos infernos, na noite do pecado e da morte, aos poucos vai iluminando de novo o caminho de acesso ao Pai, e ele vai se abrindo, a esperança vai reluzindo, a nova criação vai despontando.

 Abre-se um Novo êxodo em direção a Pátria divina, nos dirá Von Balthasar: “No sábado santo, a morte tornou-se purificação. Nesse dia, o Senhor morto abriu um caminho para ir da perdição eterna até o céu... descendo (Sheol), Cristo subiu ao Pai”[7].   

É neste movimento de subida que Jesus iniciará o caminho de volta ao Pai é a culminância do mistério pascal, o fechamento do Tridum Mortis como manifestação da quenose do Filho de Deus, se todo movimento foi de descida desde a Sexta-feira Santa até o Sábado Santo, agora se aplica a subida, lembremo-nos do itinerário do Filho: ele deixou o seio divino, a pátria intradivina, em obediência ao Pai, adentrou no tempo para restaurar e reconduzir à humanidade, trilhou um caminho que vai da encarnação à paixão, da paixão à sepultura ao encontro dos mortos, cumprida a missão, o Filho agora inicia a caminhada de retorno à pátria de onde ele saiu. Meditaremos no próximo capítulo a Volta do Filho ao Pai, é a alegria da Ressurreição, é a Páscoa de Deus e da humanidade redimida.



[1] FORTE, Bruno. A Trindade como História. p. 25.
[2] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 107.
[3] BALTHASAR. Hans Urs Von. Credo-meditações sobre o símbolo dos apóstolos. p. 55.
[4] DURRWEL, François-Xavier. Cristo nós e a morte. p. 21-22.
[5] RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. p. 222.
[6] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 107.
[7] BALTHASAR. Hans Urs Von. Credo-meditações sobre o símbolo dos apóstolos. p. 56.

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