quinta-feira, 12 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - XI

3.1 A Ressurreição como manifestação Trinitária



Todos os eventos anteriores à Ressurreição como a cruz e a sepultura de Jesus encontram o seu sentido pleno nela, ela é a luz que permite compreendermos todo o mistério pascal, enquanto mistério de Redenção e Salvação, ela é o centro da fé cristã, qual pilar a sustentar todo o edifício da fé ou se tirado capaz de desmoroná-lo.

Todavia, é também o ponto preciso no qual se pode contemplar o Deus dos cristãos, ou seja, o Deus Uno e Trino, que é comunhão de amor infinito e por isso o comunica à humanidade. Por conseguinte, a Trindade se revela neste grande acontecimento da Ressurreição do Filho Jesus. Se até a cruz e sepultura se viu uma espécie de distanciamento profundo entre o Pai e o Filho, a ponto deste sentir o abandono do seu Deus e Pai, em consequência da iniquidade do pecado humano que ele carregava; agora acontece um giro no movimento do mistério da páscoa onde a suprema distância se transforma na mais estreia e intima união entre o Pai e o Filho.

Vamos observar como acontece esta reviravolta no itinerário da páscoa, primeiro é necessário destacar que para exprimir o evento da ressurreição os autores do Novo Testamento fazem uso do verbo transitivo “reavivar” = egeiro, no sentido de suscitar, levantar, neste caso indica o despertar do sono da morte, é interessante notarmos que o verbo se refere àquele que faz ressurgir, não àquele que ressurge, diz-nos o texto: “Mas Deus o ressuscitou” (At 13,30), isto indica que a iniciativa da Ressurreição é antes de tudo obra de Deus Pai.

O Pai ao ressuscitar o Filho revela que ele não o abandonou, mas tomou posição sobre o seu Filho crucificado e morto, ressuscitando-o do poder da morte, pronunciando o grande sim da vida sobre o Filho; vê-se neste exato momento o coroamento da missão d’Aquele que ao longo de toda a sua vida terrena viveu numa obediência amorosa ao seu Deus e Pai, afirmou ser o Filho único, não querendo a sua glória, mas a gloria dele, não vivendo para si, mas para aquele que o enviou, e, por conseguinte, agora recebe o abraço do Pai pelo dom da Ressurreição.

 Von Balthasar nos dirá: “desde que o Verbo de Deus se encarnou e morreu por sua fidelidade a Deus, sua ressurreição se tornou... sua glorificação em face do mundo, sua justificação perante todas as coisas”[1].

Nesta iniciativa do Pai ao ressuscitar o seu Filho se manifesta seu extraordinário poder, ele é o Deus da Vida, e por isso a comunica ao seu Filho, ele que reconciliou o mundo com Deus Pai, agora é com o Pai o Vivente que venceu a morte. A isto se une outro aspecto importante é de que na Ressurreição do seu Filho o Pai o apresenta como ressuscitado e glorificado perante o mundo, Deus Pai mostra Jesus como o seu Filho.

 É na Ressurreição que a paternidade de Deus se revela em todo o seu esplendor, podemos ver de forma resplendente a relação íntima entre o Pai e o Filho que existe no interior da Trindade, mas que se torna visível também na sua dimensão ad extra, ou seja, na história.  Não é por acaso que ao falar da Ressurreição se usa os termos de uma geração que diz respeito à investidura messiânica: “Tu és o meu Filho, hoje te gerei” (Sl 2,7), esta geração não se trata de um adocionismo, ou que Jesus só se torna Filho de Deus aí, não, Jesus é Filho por natureza desde sempre e por todo sempre,



sua vida divina no seio do Pai não depende da economia da salvação, mas ao contrário, constitui seu único fundamento. A Filiação que Jesus vive neste mundo, e manifesta-se em plenitude na Ressurreição, baseia-se no próprio ser divino, em uma relação com o Pai prévia à sua existência humana[2].





 Esta geração indica à exaltação filial do homem Jesus, é a investidura messiânica daquele que agora recebe os poderes de Cristo e Senhor, ou seja, o Pai concede ao Filho todo poder e o senhorio sobre todas as coisas, todavia, é manifestação da glória do Pai que é comunicada ao Filho, visto que o Filho é a Palavra eterna do Pai, é Deus Pai que se revela a si mesmo quando faz com que o seu Filho unigênito apareça como Aquele que foi justificado e glorificado, portanto, Cristo aparece como o Senhor da glória, pois o Pai a derramou sobre ele ao ressuscitá-lo.

O Pai ressuscita o Filho na força do Espírito Santo, no dia de Páscoa ele derrama sobre seu Unigênito morto o Sopro da vida, o Espírito vivificante, é o pneuma (Sopro) e a doxa (glória) do Pai, ele é o mediador da Ressurreição, é na sua força e na sua glória que o Filho Jesus Ressuscita, “Morto na carne foi vivificado pelo Espírito”(1Pd 3,18). O Espírito de Ressurreição é a expressão do amor profundo que Deus Pai tem pelo seu Filho, é o vínculo da unidade de amor na diversidade das pessoas divinas, e é na ressurreição que esta unidade reluz na história; a cerca desta realidade Von Balthsar afirma: "Mas essa intimidade existe desde sempre, porque a distância (abandono da cruz) é apenas o fruto do amor trinitário, da obdiência onde o Pai e o Filho não deixam de ser um no Espírito" [3].

Portanto, o Espírito doado na ressurreição é a prova que o Filho Jesus em seu esvaziamento quenótico, experimentando a morte e a sepultura não foi abandonado, pois o Espírito é a plenitude da Vida de Deus, ele é o Senhor da vida, e por isso foi derramado profusamente pelo Pai sobre o Filho morto, ele agora é pleno do Espírito de vida, é o Novo Adão que agora possui um vida cheia do Espírito vivificante, ele é a fonte deste mesmo Espírito, “se Adão foi a fonte da vida terrena, uma vida que termina  na morte. Jesus, o segundo e definitivo Adão, é a fonte do Espírito, da vida definitiva, que agora preenche sua humanidade perfeitamente divinizada”[4].

É interessante notarmos que existe uma estreita ligação entre Jesus e o Espirito, não esqueçamos que Jesus em toda a sua vida desde a sua encarnação foi guiado pelo Espírito, não como uma força que de cima o conduz, mas como uma força que o move interiormente numa obediência total em fazer à vontade do Pai, é possível também notarmos esta relação entre Jesus e o Espírito no mistério da páscoa.

 Observemos que Jesus na cruz entregou este Espírito ao seu Deus e Pai, se esvaziou inteiramente, entregando a força de amor que o une como Filho ao Pai, e por isso caiu na terra dos mortais, dos sem-Deus. Esta sua oferta na cruz como um cordeiro a ser imolado foi um sacrifício entregue ao Pai no Espírito Eterno, “Cristo que pelo Espírito Eterno, se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima sem mancha” (Hb 9,14); e este mesmo Espírito é o fogo que consome este sacrifício penetrando na humanidade de Cristo para instaurar uma aliança eterna entre Deus e os homens. E este sacrifício foi aceito por Deus, e o sinal desta aceitação divina é a Ressurreição, revelada pelo dom do Espírito de Vida dado em plenitude ao Filho ressurgido.

A beleza do derramamento do Espírito na páscoa sobre o Filho ainda traz algumas verdades, vejamos, Cristo Ressuscitado é o Novo Templo que tendo sido golpeado pela lança, qual rocha ferida no deserto da cruz, a derramar água e sangue, se esvaziou para saciar à sede de salvação da humanidade, agora na ressurreição ele se enche mais uma vez da água viva, ou seja, do Espírito de amor, e por isso a derrama também sobre a humanidade redimida.

 Nesta ação vemos duas missões trinitárias reveladas: a missão do Filho e a missão do Espírito, ou seja, a exaltação do Filho na cruz implica a efusão do Espírito sobre a humanidade como dom reconciliador, que não só une o Filho ao Pai, mas também une a humanidade a Deus, pois é no Espírito do Filho ressuscitado, Novo Adão que os homens se tornam filhos de Deus por adoção, participantes da herança divina e, por conseguinte, realizam a sua vocação primeira: a comunhão com Deus. Acerca desta realidade se conclui que “o Espírito no evento pascal... constitui o duplo vínculo entre Deus e o Cristo, e entre o Ressuscitado e nós: une o Pai e o Filho, ressuscitando Jesus dos mortos, e os homens ao Ressuscitado, tornando-os vivos sob uma vida nova”[5].

É, pois Trinitário o evento da Ressurreição, o Deus Uno e Trino se revela como o Deus da Vida, na ressurreição de Cristo é possível entender como Deus é doação total e amor eterno num vínculo de unidade amorosa que se irrompe a nós, pelo oferecimento da salvação na participação da vida do Pai, do Filho e do Espírito. Portanto, “o único Deus tri-unitário opera a obra que é e permanece o dado central para toda a história da humanidade”[6].

No ponto seguinte no mistério da ressurreição do Filho mostraremos a relação entre o crucificado e o ressuscitado como a única e mesma pessoa que agora possui uma condição existencial nova, Nele se revela o único movimento de abaixamento e elevação.



[1] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 131.
[2] LADARIA, Luís F. O Deus Vivo e Verdadeiro - O mistério da Trindade. p. 100.
[3] BALTHASAR, Hans Urs Von. Teodramática 4. La Accion. p. 337. ahora bien, dicha intimidad existia ya desde siempre, porque la distancia no es más que el fruto de la obdiencia em el amor trinitário, em donde el Padre y el Hijo no cesan de ser uno em el Espiritu”.
[4] LADARIA, Luís F. O Deus Vivo e Verdadeiro - O mistério da Trindade. p. 102.
[5] FORTE, Bruno. A Trindade como História. p.32.
[6] BALTHASAR, Hans Urs Von. Credo - meditações sobre o símbolo dos apóstolos. p. 60.

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