sábado, 7 de abril de 2012

A QUENOSE DO FILHO REVELADA NO MISTÉRIO PASCAL - VII


2.1 -  O Dia do Grande silêncio



            No percurso de compreensão do mistério da quenose do Filho, os evangelistas prestaram grande auxílio por meio dos inúmeros dados e elementos descritos em seus Evangelhos no que dista ao caminho que vai da última ceia à paixão e morte de Jesus na Cruz. Todavia, é fato ainda mais verdadeiro que os evangelistas nada falam, deveras, silenciam sobre o tempo que medeia à sepultura e a ressurreição de Jesus, é um espaço vazio, e isto não é por acaso, é um dado de esplendor teológico muito rico.

O silêncio é constitutivo da realidade da morte, não só pela tristeza, mas também, e, sobretudo, porque, quem está morto dorme o sono da morte, não possui atividade nenhuma, a morte afeta o ser do homem num todo, ele está passível, toda a sua atividade vital foi encerrada. Mas o dado teológico deste grande silêncio como revelação quenótica do Filho é que como Filho de Adão em virtude da humanidade assumida, ele não usa do espaço de tempo entre a sua crucifixão e a ressurreição para executar uma atividade, pelo contrário, ele está inerte, é solidário com os mortos, jaz no seu próprio túmulo, porque “do mesmo modo como foi solidário na terra com os vivos, assim também Ele foi solidário no sepulcro, com os mortos”[1].

            Este é o ponto exato no qual pela própria condição que o Filho de Deus se encontra, ou seja, estar morto com os mortos ele se aniquila a ponto de se afirmar: Deus se torna nada, vazio, na sua solidariedade com os mortos, onde eles estão muitas vezes sozinhos; Deus fica mudo, silencioso, esta é a verdade da hora atual experimentada por Jesus, reina o silêncio daquele que está ausente, nada é capaz de acordar o próprio Deus, pois, ele “desceu”, ou melhor, foi ao encontro dos ausentes de Deus.

É importante mais uma vez repetir que o mistério do silêncio é revelação da morte real de Jesus, por conseguinte, sua ida ao encontro dos mortos deve ser sempre entendida não como uma exaltação, um sinal de poder, “O Cristo não desce à região da morte como ressuscitado vitorioso; o sábado santo não é páscoa. Ele é o morto que, como Verbo de Deus, não fala mais, ou melhor, se tornou a palavra silenciosa do Pai”.[2]

Este silêncio de Deus manifestação de seu estado quenótico é uma forma de compreendermos que Ele é também silêncio. Ele não é somente Palavra inteligível, meio eficaz para tornar-se conhecido a nós para vir ao nosso encontro, é verdade que nós o conhecemos porque Ele falou a nossa linguagem; porém, Deus é também fundo sigiloso, inacessível, incompreensível, quando pensamos que o compreendemos, ele nos foge, se faz tão simples, a ponto de esconder-se, é um “Deus absconditus”, e por isso, não conseguimos compreendê-lo.

Portanto, “Deus falou. Deus é Palavra. Mas nem por isso devemos esquecer a verdade da obscuridade permanente de Deus. Só quando o descobrimos no silêncio podemos nutrir a esperança de ouvir as suas palavras que se manifestam no silêncio”.[3]

Neste silêncio como revelação de Deus, também é possível ver a comunhão de amor que o Filho tem com o Pai, manifestada pela sua obediência, que o leva a uma descida ao abismo do silêncio, a uma extremidade profunda. Deus é Amor, e isso implica doação sem reservas, é um amor que se revela pobre, “o silêncio de Deus se identifica com seu amor, porque esse Deus mendicante espera humildemente a porta de nosso coração, a fim de que nós lho abramos em liberdade régia”.[4] Este aniquilamento do Filho é tão grande a ponto dele, o próprio Deus (Amor) em seu silêncio por causa de sua morte ser enterrado no inferno, num aniquilamento total sem limites, onde não há amor.

Mas é justamente neste local mais tenebroso, na região da morte e da desesperança, lugar de rejeição e, por conseguinte, de não-amor, onde não existe relacionamento algum, que Deus irromperá uma realidade nova, mas antes disso será preciso que o Filho desça e permaneça por um tempo nas regiões extremas. No sábado santo como dia do grande mutismo de Deus, é possível olhar para o Filho morto e ver onde ele foi conduzido, a ponto de se apagar da história, ou seja, de não vermos onde ele está.

Deus está mudo, não fala, não age, o que envolve o mistério de Deus é o silêncio, é a noite da escuridão; Jesus, “a Palavra Encarnada... reduzida ao silêncio absoluto dos mortos, mergulhado no universo sem forma onde não existe discurso... eis o último abismo de silêncio aonde a comunhão do Filho o leva a descer”[5]. É possível afirmar que a Vinda do Filho de Deus à história humana, é marcada por uma ação, um movimento de descida, rebaixamento, eis a quenose do Filho, Deus vai descendo às realidades inferiores da terra, a ponto de pela inteligibilidade da fé se fazer a pergunta: onde está Deus? Para onde Ele foi? No ponto seguinte abordaremos de forma específica o “local” ou para sermos mais precisos a realidade onde Jesus foi conduzido.



[1] BALTHASAR, Hans Urs Von. Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6. p. 98.
[2] RIBEIRO, Clarita Sampaio Mesquita. Mysterium Paschale -A quenose de Deus segundo Hans Urs Von Balthasar. p. 120.
[3] RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo. p. 218.
[4] KOUBETCH, Volodemer. Da Criação à Parusia. p.92.
[5] FERLAY, Philippe. Jesus Nossa Páscoa, teologia do mistério pascal. p. 156.

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