quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ADORO TE DEVOTE: Meditações Eucaristicas

Caros leitores, mais uma quinta-feira Deus nos concede vivermos para adorarmos o Santíssimo Sacramento do Altar, Pão da Vida, alimento do céu dado a nós caminheiros nesta terra de exílio. Hoje damos continuidade a nossa série de reflexões teológico-espirituais sobre o antiquíssimo hino Eucarístico: Adoro te Devote. Meditaremos sobre a segunda estrofe deste precioso tesouro que nos impele a uma maior devoção eucarística.


Visus, tactus, gustus in te fallitur
Sed auditu solo tuto creditor
Credo quidquid dixit Dei Filius;
Nil hoc verbo veritatis verius

A Vista, o tato e o gosto não te alcançam
Mas só com o ouvir-te firmemente creio
Creio em tudo o que disse o Filho de Deus
Nada mais verdadeiro do que esta Palavra da Verdade

A afirmação teológica desta segunda estrofe se refere às santíssimas palavras da consagração, pronunciadas pela boca e os lábios do sacerdote em cada Santa Missa, e à escuta de fé (auditus fidei) destas santas palavras. Vejamos, a estrofe mostra a relação entre os sentidos humanos e o Mistério da Eucaristia, dos quatro sentidos, três afirmam que é somente pão aquilo que está sobre o altar, mas pelo contrário, o ouvido faz com que os sentidos retrocedam e se afirme que sob as aparências do pão e do vinho no altar está escondido o Cristo. Um hino de louvor de composição do italiano Jacopone da Todi faz uma alusão a esta estrofe do Adoro te devote e diz: “quatro sentidos se dizem uns aos outros:/isto é verdadeiro pão? Mas somente o ouvido ainda resiste,/cada um deles se retrai/sob estas aparências visíveis/ está escondido o Cristo”. Então, deveremos entender que não são os sentidos que se enganam, não por si mesmos, o objeto dos sentidos são as aparências, ou seja, o que se vê, o que se toca, o que se saboreia, as aparências são de pão e vinho, porém Sto. Tomás de Aquino dizia: “neste sacramento não existe nenhum engano, os acidentes realmente existem, enquanto o intelecto, que tem por objeto a substâncias das coisas, é preservado de cair no engano” (S.Th., III,q.75,a.5,a.2). A fé que é adesão do intelecto e da vontade à Deus, vem pela escuta, assim nos disse S. Paulo: “A fé vem da escuta” – “Fides ex auditu” (Rm 10,17); é esta a verdade à qual se reporta a afirmação da estrofe: “só com o ouvir-te firmemente creio”. O que que se escuta? Certamente é uma palavra, mas não qualquer palavra, mas A Palavra que é Deus e vem de Deus, e é pronunciada por ele, esta Palavra são aquelas da Instituição, pronunciadas pelo sacerdote em cada Santa Missa: “Isto é o meu Corpo; “Este é o cálice do meu Sangue”.

São Cirilo de Jerusalém já nos exortava: “Não duvide que isto seja verdade, mas aceita com fé as palavras do Salvador: porque, sendo ele a verdade, não mente”. São nestas benditas palavras de Cristo que a Igreja se baseia para explicar a Eucaristia. Observemos por meio das sábias palavras de Sto. Ambrósio a sua explicação da natureza destas palavras: “quando chega o momento de realizar o verdadeiro sacramento, o sacerdote não usa mais palavras suas, mas de Cristo. É a Palavra que opera o sacramento. Vê como é eficaz o falar de Cristo? Antes da consagração não havia o corpo de Cristo, mas depois da consagração, eu te digo que já está ali o Corpo de Cristo”. Estas da palavras da Instituição são operativas, possuem uma força operativa, chama ao ser aquilo que não existe, esta força provêm daquele que o Dynamos, ou seja, o Espírito Santo, a força criadora de Deus, biblicamente falando,  a Palavra de Deus, o dabar é vivificada pelo o Sopro, o Ruah, e se revela como uma Palavra criadora. Esta admirável ação do Espírito Santo se dá em cada Santa Missa, o sacerdote pronuncia: “Enviai ó Pai o vosso Espírito Santo sobre estas oferendas afim de que se tornem para nós o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo”.  Então, o pão e o vinho são pneumatificados, Deus Pai por Cristo espiritua os dons e eles se tornam o Corpo e Sangue de Cristo.

Falamos que a fé vem pelo ouvido, e por isso é preciso que nossos ouvidos estejam atentos para podermos escutar de forma clara e audível as palavras de Cristo, ao nos oferecer em sacrifício o seu Corpo e seu sangue, por isso, advirto que nas missas no momento da consagração não se deve haver o solo de nenhum instrumento musical, nenhum barulho, ou ruído, o missal até pede que nas palavras da instituição o sacerdote as pronuncie de forma clara e com o tom de voz que seja audível.  Devemos levar a sério a lei da oração que é a lei da fé em nossa Igreja.

A segunda estrofe de nosso hino eucarístico, diretamente não faz alusão a transubstanciação, mas indiretamente sim. O que é a transubstanciação? Nos ensina o Concílio de Trento: “é a admirável e singular conversão de toda a substância do pão no Corpo e de toda a substância do vinho no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo” ( DS 1652). Na Eucaristia no momento da consagração as aparências de pão e vinho permanecem, o que muda é a substância, ou seja, a essência. O que é substância? Sub-stare = o que está por baixo, o que não se vê, é a essência de uma coisa, o ser mesmo. “Substância é aquilo que a inteligência intui ou reconhece sob as aparências do pão e do vinho” (Tillard). Dito isto, na Eucaristia as aparências de pão e de vinho permanecem, porém a essência foi mudada, é Corpo e Sangue de Cristo, o que era alimento material, possui novo significado, tornou-se alimento imperecível, espiritual que possui um fim: a vida eterna.

É nas palavras da instituição da eucaristia que a Santa Mãe Igreja edifica a sua fé, é a rocha de nossa salvação. Jesus na ceia ofertou-nos o seu sacrifício de amor ao Pai e a nós para a nossa salvação. O que nos é dado na Eucaristia é a oferta do Corpo e do Sangue de Cristo, como o seu testamento de amor, sua vida, história, milagres, sofrimentos, alegrias, tristezas, toda a sua vontade, é a sua vida dada a nós, o seu sacrifício redentor, de modo que em cada santa missa o que não seria possível a nós no tempo, tornou-se possível na força do Espírito, somos inseridos, nos fazemos presentes naquela hora da história do amor maior. Precisamos em cada missa ter a consciência de que não estamos em uma festa, num parque, num teatro, num cinema, mas no calvário, vivendo a experiência dramática da paixão.

Passemos ao último trecho da estrofe, é a resposta de fé do cristão ao mistério adorado. No final da consagração das sagradas espécies, o sacerdote exclama: Eis o Mistério da fé! A fé é necessária para que de fato demos a adesão de toda a nossa existência ao mistério preciosíssimo que se dá no altar, o ressuscitado que nos oferta a sua própria vida, nos unimos intimamente a Ele, tocamo-lo com o nosso coração, somos chamados a abrir nosso coração e a tocá-lo com nossa alma. Este mistério de fé revela a nossa redenção, a nossa salvação, é ele o penhor da glória futura, e nós proclamamos esta verdade ao respondermos a aclamação de fé: “anunciamos Senhor a vossa morte e proclamamos a vossa ressurreição, vinde Senhor Jesus”. É um mistério grandiosíssimo que nos ultrapassa quando queremos compreendê-lo, ele nos transcende porque é Eterno. Somos chamados a não nos acostumarmos com este mistério, fazendo dele uma rotina, um acréscimo a mais entre as coisas da vida. Não! Deveremos nos aproximar com reverência e piedade, usando  a expressão de João Batista: “No meio de vós está alguém que não conheceis” (Jo 1,26). Recordo: a Eucaristia não é algo qualquer, não é um biscoito, não é um mero pão, a missa não é um teatrinho, não é um showzinho onde se pula e se faz festa, onde parece tudo, menos que é uma realidade sagrada, divina. Adoremos, dobremos os joelhos diante do mistério grandioso, Deus está em nosso meio, sua vida nos é dada, provamos do seu infinito amor. Mas só se tivermos fé no que celebramos, adoramos e comungamos. Que o aquilo que tantas vezes cantamos no Tão Sublime seja de fato a nossa fé: Venha a fé por suplemento os sentidos completar. Eis o mistério da fé. Expressemos nossa fé na Santa e Divina Eucaristia:

A palavra do Senhor
Pão e vinho transformou
Pão em carne e vinho em sangue,
Em memória consagrou!
Não os sentidos, mas a fé
Prova esta verdade
Adoremos o Sacramento
Que Deus Pai nos deu
Novo pacto, novo rito
Na fé se realizou
No mistério é fundamento a palavra de Jesus.



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